nacional é um facto: os homens de Estado fazem sempre «importantes» ou
«notáveis» declarações. Jornalistas aparecem «eivados de portuguesismo» e
dos «valores eternos da pátria» quando não escrevem nas entrelinhas ou fazem
gracinhas com outras raças: «Desentrançada a burla dos ciganos negociantes de
cabelo – a pente fino a polícia procura outros implicados», titula-se.
O «lápis azul» da censura não chega, porém, para evitar o desassossego dos
espíritos. Silva Pais, diretor da PIDE, diz que se inventam maldosamente
centenas de presos políticos. «Há apenas 14 pessoas detidas por crimes contra a
segurança do Estado»: nove membros da Liga de Unidade e Ação
Revolucionária (LUAR), de Palma Inácio, e cinco comunistas. Os detidos,
refere, «são tratados dentro dos preceitos legais e todos os princípios de
humanidade».
Os portugueses vivem entre vários mundos, há sinais de esquizofrenia e
alienação. Veem discos voadores, comovem-se com a coelha que teve 16
filhotes e escrevem editoriais nos periódicos sobre casos espantosamente
elevados ao patamar de tragédia nacional: no caso, a morte de quatro mil
pombos-correios que iam a caminho de Lisboa.
Mas lá se vai cantando e rindo com velhas e novas diatribes de Ribeirinho,
Raul Solnado, Laura Alves ou Ivone Silva, entalados entre os fados de Amália,
as melodias de Gianni Morandi e dos «guedelhudos» Beatles, que não saem do
ouvido apesar das tentativas de desqualificação da imprensa. O bailado, a
ópera, o nacional cançonetismo, as peças de Ionescu, as canções de Reggiani,
as crónicas de Urbano Tavares Rodrigues sobre a «existência vermelha», os
recitais de Villaret e as passagens de Nureyev, Vinicius e Elis Regina por
Lisboa convivem, apesar do olho vivo do censor de serviço, nas páginas
culturais.
António Feio, João Lourenço – «a brasa» – e Carlos Avillez, o encenador
«que melhor fala do gosto e da imaginação da juventude», dão cartas nos
palcos. Carlos Mendes ganha o festival da canção com Verão e vai estudar para
os exames. Na feira do livro, Steinbeck vende bem e há quem se atreva a
perguntar por «aquela obra» sobre «padres comunistas».
No cinema, as palhaçadas de Louis de Funès e Fernandel, as aventuras de
James Bond versão Connery, a par de muita coboiada, rivalizam com filmes
insinuantes, como Esplendor na Relva, de Elia Kazan, e Paixões Escaldantes,
com Paul Newman e Joana Woodward, num enredo de «dias ardentes de ódio e
abrasadoras noites de amor».
Bonnie & Clyde prolonga a moda da boina, usada por Faye Dunaway, e o
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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