A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

adereço presta-se a interpretações revolucionárias. Os jornais repetem até á
exaustão «os inconvenientes da minissaia», pois «pode fazer engordar as
pernas», mas noticiam as tendências da temporada italiana: saia bem acima do
joelho e cinturas bem vincadas.
Alerta-se: a guerra do Vietname, o LSD, o poder negro e a homossexualidade
são temas «do cinema subterrâneo» e de um mundo pecador. A televisão
transmite mensagens natalícias dos soldados e serve uma ementa diária de
serviço religioso, transmissões de hóquei, desenhos animados, ginástica
infantil, telescola, música clássica e séries como «Dr. Kildare» e «Bonanza».
Na rádio, os Parodiantes levam o programa PBX para a rua, numa caixa de
vidro, para euforia dos transeuntes. Noutra frequência, o folhetim «Onde Está a
Felicidade?», faz uma pergunta que ecoa, por todas as razões, na mente dos
portugueses, sem resposta.
Em 1968, ser feliz é uma questão de aparência.
Clínicas seduzem as mulheres a reduzir 14 centímetros de gordura nas ancas
e no estômago. E até «os homens estão mais vaidosos». A cirurgia plástica de
Arpad Fisher, médico «que reconstituiu o rosto de atrizes famosas, princesas e
donas de casa», é um sucesso onde, contudo, já se farejam problemas: um nariz
novo pode custar 22 contos, mas quatro em cada dez senhoras querem reaver o
nariz anterior.
Nesta época, o tabaco ainda é «o fiel companheiro do homem na hora do
trabalho, do descansar e do pensar». Mas quem quiser deixar, um caldo de
beatas deve inalar.
A meio do ano, as colunas femininas espantam o pó e aconselham as
mulheres a cultivarem-se: «Leia os jornais, interesse-se por outros problemas,
oiça rádio e leia livros de viagens que lhe mostram outros mundos e outras
gentes», sugere-se numa crónica, entalada entre receitas de ensopado de
berbigão e seduções publicitárias sobre a «nova Singer de luxo» e a moderna
máquina de lavar Siemens.
Os anúncios são para toda a família, para todas as ocasiões: o Tampax
mantém «o segredo» das mulheres «secreto», o homem que veste Terylene
«marca o rumo» e as crianças já podem comer Nestum com arroz, cevada e
figos.
Maria Fernanda é, nesta época, a primeira mulher a ler um noticiário –
completo, note-se – no telejornal da RTP. Mas as esposas ainda precisam de
autorização dos maridos para viajar e só votarão quando Marcello Caetano se
lembrar. «A mulher ideal» é Sónia Coutinho, angolana, 23 anos, hospedeira da

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