A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

TAP, eleita após ultrapassar provas de cultura geral, culinária, corte «e outras
atribuições carateristicamente femininas».
Já o homem ideal, segundo as crónicas femininas, deve telefonar à mulher
quando se atrasa no escritório. «Escangalha-se uma torneira, entope-se um
cano» e ele deve arranjar. Tem de estar disponível para «pegar num esfregão e
num balde» e não arvorar «ar de mártir» nessas tarefas. Não pode ainda
esquecer o aniversário de casamento, de elogiar o novo penteado ou o vestido
da consorte. E isso «sem fazer alusão a quanto possa ter custado», pois «o
homem ideal» sabe que «a mulher precisa de dinheiro para gastos pessoais e
estabelece o orçamento para que não haja discussões». Se há mulheres que não
conseguem encontrar a sua cara-metade com estes predicados, «é por sua
própria culpa».
Mas homem que é homem devora páginas desportivas, até perder a conta aos
títulos. Em 1968, a seleção nacional ganha a Taça do Mundo de Hóquei, o
Benfica sagra-se bicampeão no futebol, Eusébio conquista todos os troféus de
melhor goleador, mas o clube da Luz é humilhado pelo Manchester United na
final da Taça dos Campeões, perdendo por 4-1. O Futebol Clube do Porto,
parente pobre dos três grandes ao tempo, contenta-se com a Taça de Portugal e
não pode pagar os «proibitivos» 80 contos mensais a Yustrich, o treinador
desejado. Os jogadores, esses, «são transacionados como gado». Américo
Silva, do Benfica, vence a Volta a Portugal, mas o doping já anuncia «a
degradação da epopeia». Nos Jogos Olímpicos do México é uma mulher que
leva o facho. E a chama desses tempos já ninguém apaga.


Portugal está desconfortável numa curva apertada da História.
Demasiado apertada para a velocidade do tempo, perigosa para o nosso
vagar. Os portugueses, instruídos por décadas de doutrina salazarista, são
levados a pensar que mais vale um mal conhecido do que um bem por
conhecer. «Não quero fazer pagar ao meu País o elevado custo de
transformações cujo valor está ainda por demonstrar», afirma o ditador numa
entrevista, em 1968, vai o ano a meio, minado por convulsões. Salazar
considera o imobilismo «terrível», mas, adverte, «trocá-lo pelo caos é pior».
Aparte o mosaico de episódios e curiosidades que testemunham a força dos
ventos sobre um tempo empedernido, é notório o enfado, o cansaço e a
sensação de encruzilhada que contaminam as hostes do regime: o Governo está
«esgotado», admite Supico Pinto, presidente da Câmara Corporativa e

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