conselheiro de Oliveira Salazar.
O ditador sente-se desautorizado, zanga-se com o desconcerto que vai na
governação, onde «ninguém pergunta nada» e todos parecem pensar que quem
manda «chegou ao fim».
Mesmo assim, ainda consegue descontrair-se, em privado.
Em conversas amenas, vai dando conta das suas preferências artísticas, que
saltitam entre os pintores Henrique Medina e Eduardo Malta, com adjetivações
excessivas reservadas para o «monstro» João Reis e para assinalar o
«deslumbramento» que lhe provoca Maria Helena Vieira da Silva.
Às chancelarias diplomáticas em Madrid, chegam, todavia, insistentes
rumores de golpes de Estado e revoluções iminentes em todo o território
nacional. Mas Salazar, desligado da boataria que galgou fronteiras, está mais
preocupado em saber como enviar para Nova Iorque um vestido de minhota,
solicitado por uma emigrante portuguesa em Delaware, a pretexto de um
festival de trajes típicos nacionais.
Os 79 anos do ditador, feitos em finais de abril, revelam-no na posse das suas
faculdades, talvez mais lento de raciocínio, mas sem fissuras intelectuais que
alimentem desconfianças. Discute os assuntos nacionais sem ranhuras, decide
os negócios de Estado com a firmeza de sempre, sem comportamentos frouxos
que o denunciem.
À vista de todos, não se desleixa na apresentação: mantém a cabeleira branca
delicada, o aprumo. Os fatos ainda lhe assentam bem no corpo envelhecido,
cuidados manejados pela dedicada Maria.
Nos gestos, redobra cautelas, sobretudo no andar.
Nas cerimónias, apresenta-se o mesmo de sempre: arguto, irónico, rápido de
raciocínio, vigoroso, sem quebras e sem que se note o amarrotar da idade. Mas
surge já abatido, desanimado e distante ao juízo de quem com ele priva. Nota-
se que, nas conversas, o olhar fica parado, por vezes perdido, ausente e alheio
ao que se passa à sua volta. A voz fraqueja, some-se por segundos, quando fala.
Demora a recuperá-la. Repete-se. «Todos os dias, quase a todas as horas, vejo o
fim da minha vida e o princípio da vida dos outros.»
Antecipa a morte e o que virá depois: «Quando eu desaparecer vai ser para aí
uma confusão! Tenho pena dos que assistirem a isso», desabafa, num estado de
espírito que navega entre a melancolia e a resignação. Estar à beira dos 80
anos, reconhece, tem as suas vantagens: é garantia «de que não assistiremos a