A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

onde ele normalmente se sentava», descreve. A nós, disseram-nos que, nessa
noite, ele tinha batido com a cabeça numa das paredes», partilha a antiga
criada.
Adriano Moreira, é certo, também o vira «muitas vezes» nesse pátio interior,
sentado «na fatídica cadeira a ler os jornais».
Mas a história tem mais pormenores.
Embora Rosália não saiba hoje precisar datas, lembra-se da gritaria quando a
notícia correu o forte: «Ele estaria, como sempre, a ler o jornal nesse corredor,
quando as costas da cadeira, que também eram de lona, rebentaram e ele bateu
com a cabeça para trás. Queixou-se muito e mandaram chamar o doutor
Eduardo Coelho e o doutor Vasconcelos, que depois o levaram para o hospital.
Se foi nesse dia que ele bateu com a cabeça não sei, mas lembro-me de ter
ouvido a dona Maria contar esta versão e entrar para uma ambulância no forte,
para acompanhar o professor Salazar. Houve gritos e ficámos todas a chorar.
Algum tempo depois, não sei como, a cadeira tinha desaparecido», recorda.
A História não validou o relato nem a presença de qualquer ambulância no
forte. Mas Rosália insiste na sua verdade. «Como poderia esquecer-me do que
vivemos nessas horas, quando o levaram para o hospital? O senhor doutor era
muito nosso amigo e nós amigas dele.»
Sobra ainda uma última versão: a de Micas , «filha adotiva do coração».
A protegida de Salazar nada soubera do acidente, tendo sido mantida na mais
pura ignorância pela concunhada Maria. Primeiro, zangara-se por causa do
segredo. Depois, mostrara-se mais compreensiva pelo facto de a governanta ter
ficado abalada com o estado de saúde do patrão. Ao fim de algumas semanas,
Micas apurara «que a queda se deu no chamado quarto de hóspedes, uma sala
soalheira do primeiro andar do forte que, fazendo esquina, tinha janelas tanto
viradas para o mar como para a nave central onde eram servidas as refeições.»
Contudo, as circunstâncias desse dia, admitirá, «ficaram para mim um mistério
que me vai acompanhar até sempre».
Maria ainda dirá, mais tarde, na presença de jornalistas, que o tombo
ocorrera dia 5 de agosto, mas a sugestão não oferece confiança a Franco
Nogueira, biógrafo do ditador, que atribui as declarações confusas às
«perturbações arterioscleróticas» de que a governanta «já na altura sofria». A
pergunta ecoará, pois, até aos nossos dias: de quantas quedas se fez, afinal, a
história naquele mês de agosto de 1968? Esse, sim, o verdadeiro mistério.

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