A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1
Durante o   internamento    de  Salazar,    Rosália (à  esquerda)   estará  sempre  perto   da  governanta. Maria
vigia tudo e todos. Pela primeira vez fala com frequência para os jornalistas sobre a saúde do
ditador.

À maioria não escapa, no entanto, o «entra e sai» vigiado pela governanta.
Rosália também repara naqueles que cochicham em cada canto, «dois aqui, três
ali, em grupinhos», com ar de quem deseja manter a conversa reservada.
«Quando a gente se aproximava, paravam de falar ou mudavam de assunto»,
notara a rapariga de Favaios que, à época, deixara já de saber distinguir os
amigos dos inimigos de Salazar. «Havia por lá gente verdadeiramente amiga,
sim, mas havia outros que se faziam, uns fingidos.»


Os primeiros sinais surgem nos corredores da Casa da Saúde, aos primeiros
dias de internamento. As melhoras ou agravamentos no estado de saúde de
Salazar ajudam a perceber as oscilações de humor de quem gere as ambições
ao ritmo dos boletins clínicos do Presidente do Conselho. Se corre um rumor
sobre o agravamento do estado do doente, o verniz quase estala, em afoitezas e
atitudes fora da moldura do pudor.
Se Salazar melhora, esboça-se nos mesmos rostos um misto de nervosismo e
pavor, receando que «o homem», logo que restabelecido, se inteire dos ardis e
insídias, promovendo o ajuste de contas.
Está, em qualquer caso, aberta a luta pelo poder, notam os mais atentos. Já
não interessa se o ilustre doente sairá restabelecido da cama do hospital. Mais
cedo do que tarde, creem, a ordem natural das coisas fará o seu caminho.
Espantam, ainda assim, algumas «manobras infantis, grotescas» propiciadas
pelo delicado momento.
Desenham-se listas de nomes para um futuro governo, suspeita-se que
Marcello Caetano reunira indefetíveis para preparar o dia seguinte, há gente
desavinda nas hostes do Governo. «Por todo o lado, são as tricas e nicas, as
insídias, as acusações perversas, os aleives, a destruição deste, a eliminação
daquele, um escadeirar geral que deixa tudo esbarrondado», lamenta-se Franco
Nogueira no seu diário.
As lutas pela sucessão aparecem à luz do dia, «saem da penumbra em que há
anos decorriam», resumirá Adriano Moreira nas suas notas de um «tempo
perdido».
O «hospital» da Cruz Vermelha atraíra uma romaria de gente simples, mas

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