A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Os jornalistas, ali «plantados» todo o dia, lançam perguntas com isco às
individualidades que sobem ao sexto piso, a ver se elas mordem alguma
indiscrição ou desabafo. Mas impõe-se a narrativa oficial: «O que vocês podem
dizer é que a comovida, mas serena reação do País, é a atitude justa nesta
hora», dirá Paulo Rodrigues, secretário de Salazar.
Daniel Ricardo, do vespertino A Capital, e Fernando Antunes, do matutino
portuense O Primeiro de Janeiro, conseguem infiltrar-se e passa-lhes pela
cabeça vestirem batas de enfermeiros, mas são identificados antes de ensaiarem
qualquer disfarce.
O Diário de Notícias tem um carro estacionado em permanência à porta da
clínica, com telefone instalado, o que permitirá ao seu repórter despachar as
novidades, quase sempre à frente da concorrência.
«Agora é que é!» – sussurrara um doutor, compincha dos jornalistas. «Não
lhe damos mais do que um quarto de hora.»
Mas Salazar trocava as voltas a todos os vaticínios.
Foi nesse momento que Mário Castrim, do Diário de Lisboa, decidiu tentar
confirmar pelos próprios meios a situação clínica do homem que esteve sempre
para morrer «daqui a bocadinho». Ainda chegou ao andar proibido, mas mal
saiu do elevador, caíram-lhe em cima «uns paisanos irrepreensivelmente
brutos».
O repórter percebe rapidamente que o caminho de regresso vai ser pelas
escadas, corrido a safanão. «Que é isso?», interrompe então uma voz, com
autoridade. «O que é que vocês estão a fazer ao rapazinho?», insiste. Os
seguranças gaguejaram umas desculpas – estavam a cumprir «ordens», só se
entrava «com cartão» – mas Maria não se comoveu: «Pois, mas também não é
preciso fazer mal ao rapazinho», respondeu, agarrando o jornalista pelo braço.
«Anda comigo, não fales muito alto. Como te chamas?», dirigindo-se ao
«catraio»... de 48 anos. «Mário», respondeu ele. «Mário, está bem. Entra para
aqui», puxou ela.
O repórter foi conduzido a uma salinha, onde «a senhora condessa, a senhora
doutora e a senhora embaixatriz» conversavam em sussurro.
A condessa fazia a cronologia dos acontecimentos que pessoalmente vivera,
«fora das primeiras pessoas a ser informada». Gabava-se de conhecer ao
pormenor «a vida e os costumes» de Salazar e percebia a reverência, «mesclada
de inveja», com que as outras a escutavam, «todas de negro, os olhos a puxar
as lágrimas».
Mário Castrim tenta fotografar mentalmente o corredor, os movimentos.

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