A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

recheada de vinho, moscatel e aperitivos. «Eu tenho muitas padarias, mas estão
em sítios onde não dão nada», lamenta-se a idosa em conversa com Salazar,
pela tarde. «Diz-me o que tens e onde», responde-lhe o doente, sentado no
cadeirão, com a manta nas pernas.
Na madrugada de 28 de fevereiro de 1969, um tremor de terra sem paralelo
desde o terramoto de 1755 sacode Lisboa, arredores e toda a zona sul do País.
Instala-se o pânico entre a população.
Há mortos, dezenas de feridos, desalojados, estragos avultados, cortes de
energia elétrica. Centenas de casas ameaçam ruína, algumas desmoronam-se.
Aldeias desmontam-se como legos. «Era como se o mundo fosse acabar», leu-
se nos jornais.
Em São Bento, o sismo abana os candeeiros e apanha o ditador prostrado,
entre lençóis, com as enfermeiras em volta. «Estejam quietas com a cama!»,
reagiu Salazar, emergindo por momentos dos confins da alma.


A poucos dias do final de março, o ditador ainda deita o olho ao festival da
canção e à vitoriosa Desfolhada , de Simone de Oliveira, que Rosália e o
restante pessoal da casa acompanham pela televisão sem perder pitada.
Mas, em abril de 1969, Salazar cumprirá 80 anos e é já, por esses dias, uma
figura de pé de página, atirada num ápice para o baú do regime.
Tirando a imprensa estrangeira e uma ou outra referência numa publicação
de província, escasseiam as notas jornalísticas sobre os boletins médicos e o
seu estado de saúde.

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