IX
As últimas palavras
No verão de 1969, Roland Faure, jornalista francês, aterrou em Lisboa.
Era um velho conhecido de Salazar: entrevistara-o por mais de uma vez e,
oito anos antes, escrevera para o L ́Aurore um artigo que muito agradara ao
ditador a propósito do desvio do navio Santa Maria por um grupo de
resistentes antifascistas.
Desta vez, porém, o chefe de redação daquele diário da direita parisiense
trazia na bagagem outro propósito: perceber os tempos de mudança em
Portugal e entrevistar Marcello Caetano.
Faure era um homem considerado e respeitado nos gabinetes do regime.
Moreira Baptista, então na Secretaria de Estado do Turismo e da Informação,
recebera-o por mais de uma vez, não lhe escondendo, no passado, a existência
de «alguns problemas» com Salazar.
Mas agora respirava-se uma nova aragem e Faure buscava a primeira
entrevista do Presidente do Conselho a um jornal estrangeiro. Desejo que
Marcello Caetano satisfaria, convidando-o para um almoço no Forte de Santo
António do Estoril.
Logo aí, o repórter francês percebera uma alteração nos rituais.
Apesar das muitas visitas que lhe fez na mesma residência de verão, nunca
Salazar o convidara para almoçar, mantendo as formalidades e uma equilibrada
reserva. Marcello revela, contudo, outra forma de comunicar e de se apresentar:
convida o jornalista para um passeio junto ao mar e responde a todas as
perguntas de âmbito nacional e internacional, com descontração e amabilidade.
O verniz só estalara quando Roland, já informado dos boatos que correm
sobre o facto de Salazar ser mantido na ignorância quanto à sua situação real,
confessa a intenção de se avistar com ele e questiona Caetano sobre as relações
entre ambos. «Não tenho quaisquer relações com ele!», reagiu, ríspido, o chefe