A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

semanas a entrada na residência oficial.
O mobiliário pertencente a Salazar acabaria embalado e despachado para
Santa Comba Dão, enquanto outros bens só foram retirados em finais de
setembro de 1970. Uma parte restante sairia, por fim, do palacete em fevereiro
de 1971.
Maria viverá, desde então, numa espécie de clandestinidade, evitando ser
reconhecida em público e mantendo a discrição. Nunca deu entrevistas, nem
mesmo alguma vez a ouviram, no conforto das amizades, falar dos tempos
vividos com Salazar.
Com a sua morte, também essa memória desceu à terra, encerrada como um
túmulo. Em Benfica, mandava celebrar missas pelo defunto, embora nunca lhe
atribuindo o nome pelo qual ficara conhecido. Dava o nome de António
Oliveira porque, confidenciava aos sacerdotes, «Deus sabe muito bem de quem
se trata.»
Aos domingos, entrava na igreja perto de casa para a missa e todos os rostos
sintonizavam o seu andar arrastado, de bengala, figura alta e magra, de cabelo
apanhado para trás, sempre com porte imponente, carregando ainda uma aura
mítica.
Aos poucos, a relação com a concunhada Micas foi desanuviando.
Passeavam e almoçavam em família, ao fim de semana, e houve mesmo
ocasiões em que a governanta apareceu de surpresa com a refeição num saco,
depois de apanhar o comboio no Cais de Sodré.
Recebia também alguns amigos em casa. Por lá passou, o antigo
subsecretário de Estado da Presidência, Paulo Rodrigues, a quem Maria
ofertara a Parker de Salazar, a última com que o ditador escreveu. Ele, que se
assumira como «a lapiseira de Salazar», retribuíra as delicadezas convidando
Maria a passar férias com ele e as suas irmãs na Foz do Arelho, onde as
velhotas de zona buscavam a presença da antiga governanta «pelo cheiro de
santidade», confessou ele ao jornalista Joaquim Vieira, biógrafo da governanta.
A Revolução dos Cravos, a 25 de abril de 1974, não alterou as rotinas e a
vida da mais leal servidora de Salazar.
Excetuando esporádicos incidentes, sem importância de maior, Maria passou
incólume pelos fervores revolucionários, até porque, diga-se, nunca havia
buscado os holofotes nem se dera a arremedos de protagonismo. «Com o 25 de
Abril ela perdeu todos, ou quase todos, os seus rendimentos. Podia fazer uma
fortuna se tivesse aceitado falar da sua vida com Salazar, desde Coimbra!
Negou-se absolutamente e morreu nobre, digna e exemplar em tudo!»,

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