A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Rosália Araújo, «a pequena» de Favaios, nunca mais lhe falara desde que
ambas, em pranto, abandonaram o palacete de São Bento.
Com a morte de Salazar, separaram-se as vidas, encerrara-se uma época.
«Nunca mais fui a Lisboa», reconhece a última criada a servir em casa do
ditador.
Nessa altura, Maria sugerira às empregadas que ficassem pela capital, pois
não faltariam convites para trabalhar «em casa de pessoas conhecidas». Rosália
foi uma das mais solicitadas. «Apareceram muitas casas a oferecer trabalho e
até recebi uma carta do Hospital Miguel Bombarda com uma proposta bem
boa: queriam que trabalhasse lá de manhã e deixavam-me estudar à noite»,
recorda.
Mas a rapariga, com 19 anos, sente-se novamente à toa.
«Onde é que eu ia viver?», questionara.
Não tinha casa, não queria incomodar a família em Queluz, tinha saudades
do berço duriense. Ficara para trás a promessa de uma habitação num dos
bairros sociais da Fundação Salazar, mas tal nunca viria a concretizar-se. «O
senhor doutor dizia que íamos todas ficar com uma casa só para nós, mas
aquilo foi só de boca.» No fundo, depois do funeral, «senti-me desamparada e
preferi regressar à minha terra».
O tempo das criadas mudara ao ritmo do País, por muito que alguns
julgassem eterna uma servidão realizada «no amor de Deus e da Pátria».
Poucos meses antes de Salazar morrer, o seu velho amigo Gonçalves
Cerejeira regressara por momentos a Coimbra, a convite da Obra de Santa Zita,
para presidir a uma sessão de homenagem às empregadas domésticas com mais
de 25 anos de serviço na mesma família.
Traçando o perfil das serviçais através dos tempos, o cardeal-patriarca que,
em meados dos anos 1920, contratara Maria para a residência onde vivia com
Salazar, elogiara o género de criada «humilde, ignorante, esquecida de si, para
quem o sacrifício era o seu procedimento habitual». Quantas delas, perguntara,
«não terão sido, nas casas onde entram, luz, alegria, paz, felicidade».
A própria Obra, contudo, mirava já o futuro com outros olhos, reivindicando,
desde 1969, «o reconhecimento da profissão com legislação rigorosa quanto a
condições de aprendizagem», incluindo diplomas, formação profissional,
horários de trabalho, salários, férias pagas, habitação e visitas médicas também
pagas.
O termo «criada», popularizado durante o salazarismo, dera lugar à
expressão «empregada doméstica» e esta não era apenas uma alteração

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