A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Epílogo


Março de 2012.
Rosália Araújo mantém as mesmas rotinas há anos.
Levanta-se por volta das cinco da manhã, fica na padaria até ao meio-dia e
regressa a casa para fazer o almoço. Arruma a cozinha e fica um bom bocado
no sofá a ver as novelas.
Quando o tempo ajuda, vai com a filha, Maria do Céu, até ao campo, escavar
as videiras. Na sua casa humilde, mas de coração aberto, há sempre um
moscatel de Favaios – cujas uvas ela vende para a adega que o produz – uma
bola de carne ainda quentinha e também, segundo uma revista gastronómica,
«o melhor pão da região cozido em fornos a lenha».
Rosália tem uma vida cheia, realizada, de volta do seu pão de ouro, e da
maioria dos familiares. O filho mais velho, José Augusto, vive e trabalha em
Inglaterra, mas Adelino e Maria andam sempre por perto. Tem dois netos
rapazes (Rafael e Lucas), mas é a mais velha, Ana, com 19 anos, que, por
vezes, desafia a avó a recordar histórias do tempo de Salazar.
Para tudo ser perfeito, falta a Rosália concretizar um sonho: revisitar Lisboa.
«Às vezes dá-me umas saudades daquele palacete, daquele jardim, onde passei
tanto tempo a brincar... Mesmo depois de tantos anos, ia lá direitinha e corria
aquela casa com os olhos fechados. Não queria morrer sem lá ir», confessa,
antes de saber que Marcello Caetano mandou, logo em 1971, realizar a mais
profunda intervenção da história da residência. Do edifício original, pouco
mais foi mantido do que as fachadas.

Free download pdf