A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

receber», onde é previsível que os aromas dos cafés e o fumo se entrelacem e
tenham de conviver durante «jantares a estranhos». Salazar descreve as louças
que a casa de banho deve ter, da retrete ao pequeno armário com espelho.
Explica o que pretende na copa, interfere em tudo: da mesa de refeições das
criadas «para seis pessoas», aos armários com «louças, compotas e alguma
mercearia mais fina».
Neste afã de decorador de interiores ainda pede que se estude o
aproveitamento do vão «da elegante escada» que conduz ao piso superior:
«talvez um divã», talvez uma «pequena prateleira para livros ligeiros» ficasse
ali bem, interroga-se. O importante é criar «um cantinho agradável».
O primeiro andar será o mais privado do palacete. Pequenas divisões que ele
próprio mandara mobilar. Dera ordens para arrumar os serviços de mesa
solenes e comprara copos e toalhas a gosto, sem deixar pormenores e subtilezas
ao acaso.
A sala onde era previsível a realização de conselhos de ministros e outras
reuniões com governantes deveria manter a mesa ampla «para se examinarem
grandes mapas» e «projetos de obras». Sugere: «A decoração da sala,
cortinados, etc., deve ter em conta que a sala se destina principalmente a
trabalho intelectual.»
No mesmo piso ficará o seu quarto e o de Maria de Jesus, frente a frente,
apenas separados por um corredor.
O dela, acanhado e modesto.
O dele, maior, preenchido pela ampla cama de pau-preto, colocada sob um
crucifixo na parede da cabeceira, ladeada por dois medalhões ovais, de marfim,
com a efígie dos pais, e telefones na mesinha de cabeceira.
Quanto aos aposentos, poucas achegas mais.
Nas águas-furtadas, instalam-se as criadas, que dormem em camaratas, e os
serviços de apoio.
No fundo, promovera-se uma remodelação geral na residência oficial e
terrenos circundantes, entre a Calçada da Estrela e a Rua da Imprensa, com
algumas demolições à mistura.
Num aditamento ao relatório, Salazar assumirá ainda mais o papel de dona
de casa. A expressão, de resto, assenta-lhe a preceito: usara-a, quando, pela
primeira vez, assumira funções de Estado. Segundo ele, a administração
pública devia ser «tão clara e tão simples como a pode fazer uma boa dona de
casa», sempre ao serviço de uma política «comezinha e modesta que consiste
em se gastar bem o que se possui e não se despender mais do que os próprios

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