A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

recursos». Aplicado à vida doméstica de São Bento, o conceito vai prestar-se a
cenas de regateio e abundantes miudezas.
Salazar via-se ainda emprestado à política, sempre transitório. Dizia viver
«num magnífico hotel, uma moradia de passagem. Aqui não habita um homem,
mas sim um funcionário», resumia, sem deixar de ser escravo de minudências.
Na transferência da sua residência para o palacete, Salazar discutirá, por
exemplo, o preço de vários atlas e mapas até obter o desejado desconto da
firma fornecedora, que rapidamente abate 10 por cento ao orçamento e à
comissão, só para satisfazer «os desejos de Vossa Excelência».
Anos mais tarde, uma investigação com laivos detetivescos fará também
Salazar escrever cinco folhas grandes de bloco de notas ao secretário-geral da
Assembleia Nacional. Costa Brochado tinha por incumbência o bom
funcionamento dos serviços burocráticos e administrativos do Palácio de São
Bento. Zelava também pelas instalações e dependências do mesmo, entre as
quais se encontrava a morada de Salazar.
O caso fora este: numa das rondas pelo palacete, o Presidente do Conselho
surpreendera-se com a existência de uma instalação – que não pedira – para
emprego de gasóleo no aquecimento da casa. Incomodado com o facto, pois
recomendara que a caldeira continuasse a funcionar a lenha e a carvão, Salazar
não descansará enquanto não apurar responsabilidades. E regista: «Parece que
dos 18 contos gastos se tira apenas a vantagem de o pessoal doméstico não
sujar as mãos no carvão, o que é pouco para justificar a despesa.»
Contar os tostões era prática que o ditador levava à exaustão.
Menos ao altar.
Ao inspecionar a encomenda de paramentos solicitada ao Estado para uso no
oratório privativo, situado no primeiro andar, entre o seu quarto e o escritório,
Salazar rezinga. As vestes chegadas ao domicílio oficial são, na generalidade,
ordinárias, sujas, rotas, velhas e «nojentas», segundo a avaliação escrita pelo
próprio. Pouco se salva.
Feito o protesto, o chefe do Governo recebe na volta adereços e trajes de
culto de melhor qualidade, mas não fica convencido, impondo mais algumas
devoluções.
Nos preparativos da instalação em São Bento, Salazar preocupara-se ainda
com a criação de uma entrada de serviço para os funcionários, de molde a
evitar «encontros desagradáveis» entre as pastas dos ministros e as sacas do
carvão. A escolha da carpete para o escritório também ocupará algumas linhas,
pois deveria ser «adquirida em relação com a mobília e a cor das paredes».

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