A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

não será de todo o caso da jovem criada de Salazar. «Davam à gente aquilo que
queriam, não fazíamos preço.»
Rosália não assinara qualquer contrato, não lhe tinham posto à frente um
simples papel, pouco sabia dessas burocracias. «Nem sequer disseram se podia
falar disto ou daquilo.»
Os pais também não interferem. Nada pedem, nada exigem.
Pensam: a filha está, pelo menos, encaminhada. Dão-lhe de comer, cama e
roupa lavada. Numa época de forte emigração feminina e de histórias sobre
raparigas perdidas nas encruzilhadas da pobreza e da má vida lisboeta, isso
basta-lhes e tranquiliza-os. É menos uma boca em Favaios e melhor futuro não
haveria, resignam-se.
No geral, o sistema também interessa aos patrões.
O trabalho não especializado tem uma remuneração quase simbólica. Na
prática, resume-se a uma gratificação. De resto, as criadas de província eram
então muito pretendidas. Obedientes, com uma disponibilidade sem horários
nem cansaços para o trabalho manual, juntavam à rusticidade o treino nas
habilidades domésticas.
Rosália talvez tenha sido vista em São Bento como um desses «diamantes em
bruto», pois deixara de cuidar do Antoninho para, a mando da governanta, ser
integrada nas faxinas da casa. Sem paciência para perder tempo a ensinar, a
faceta autoritária de Maria de Jesus impôs-se e a rapariga foi entregue aos
serviços e barrelas diárias. «Estive pouco tempo a tomar conta do Antoninho.
Mal me apanhou a jeito, a dona Maria pôs-me logo a limpar o pó e a lavar
escadas.»
Entre portas, para lá dos muros altos, este viver habitualmente continuava
imune ao bafio do regime, à agitação estudantil, às prisões e à Guerra Colonial,
cujos ecos chegaram sempre mais depressa ao estrangeiro do que aos jardins
onde Rosália brincava com o rapaz a seu cuidado.
Mas os primeiros dois meses na residência oficial da nação estão longe de
satisfazer a catraia. Menina de aldeia, ainda demasiado imatura para enfrentar a
dimensão das responsabilidades, Rosália não suporta o peso da distância.
«Nunca tinha saído de Favaios e sentia muitas saudades dos meus pais. Chorei
muito.»
Estranha o ambiente carregado do palacete e sente-se «prisioneira» das
circunstâncias. «Via-me fechada naqueles muros, sentia-me num forte.»
Tristonha, pede à governanta que a deixe regressar a casa.
Maria de Jesus tenta demovê-la, mas acaba cedendo.

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