uma operação para capturar Delgado, tendo o ditador recomendado «muito
cuidado». A polícia política tinha rédea livre para agir e, mesmo pisando o
risco, sabia que tal nunca teria consequências, nesse como noutros casos.
Assim foi: mesmo quando se confirmou a autoria do crime por parte da brigada
da PIDE, os responsáveis continuaram nos seus lugares, sem um beliscão.
A ditadura está à beira de cumprir quatro décadas.
A 28 de abril, um dia após a inauguração da sua estátua em Santa Comba
Dão, Salazar celebra 76 anos. Correm rumores sobre alegadas perturbações
mentais do chefe do Governo.
Ministros demoram dias a tentar contactá-lo, mas do palacete não
respondem. Se do outro lado da linha alguma serviçal atende, dirá que «o
senhor doutor» não tem hora de chegada nem sabem se irá jantar.
Quando finalmente o encontra, Franco Nogueira, sempre cúmplice e
observador, nota nele uma grande fragilidade física, mas sem perda de
faculdades mentais. A pele, sadia e sem vincos surge, por vezes, pálida, sem
pingo de sangue. Como sempre, Salazar apresenta-se muito engomado, de um
escuro sóbrio e cabelo bem penteado, de um branco luzidio. Os passos são
firmes, mas lentos e cautelosos, típicos de quem já não confia nos reflexos,
receando um tropeção ou uma queda. «Morrer? Só morre quem quer!», repete
aos seus íntimos, mas já exausto de tantas reuniões, compromissos, receções.
«Os estrangeiros querem ver o grande ditador e ficariam desapontados se não o
vissem. São como o meu Antoninho: fica triste se vai ao Jardim Zoológico e
não anda de elefante ou não vê a girafa», graceja, fazendo troça da sua própria
condição.
Nem a visita de Christine Garnier, de regresso a Portugal acompanhada do
marido, lhe provoca sobressaltos de maior.
Para Salazar, as recordações e palpitações românticas esmoreceram.
Diluíram-se no tempo, suaves, cedendo agora ao protocolo e às convenções. O
Presidente do Conselho recebe-a no Forte de Santo António do Estoril, onde o
vaivém de ministros, isoladamente ou em grupo, é constante. As reuniões
improvisam-se na mesa de pingue-pongue do rés-do-chão, onde as alunas do
Instituto de Odivelas, filhas de militares, costumam divertir-se.
Esse ano de 1965 termina com eleições para a Assembleia Nacional, nas
quais os candidatos do partido do regime ganham uma vez mais na secretaria,
sem oposição nem solavancos de monta.