A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

escudos em chocolates e dera uma colcha e cem escudos a cada uma das
empregadas da casa. Aos seus médicos, que nunca lhe apresentam as contas
pelos serviços prestados, oferecera uma travessa de prata e um serviço de chá.
Entra em 1967 a fazer contas à vida.
As despesas com a sua quinta das Ladeiras, no Vimieiro em Santa Comba,
são da ordem dos 10 contos mensais, valor que realça ou sublinha quase
sempre a vermelho nas anotações particulares, por vezes com pontos de
interrogação. Paga a um carpinteiro pequenos trabalhos na propriedade e
despende quantias razoáveis na pequena adega, para a qual comprou um tonel.
As irmãs, o caseiro e o pedreiro levam-lhe também boa maquia. Segue estes
assuntos ao detalhe, mas cavou já uma distância considerável com a terra, à
qual se desloca com rara frequência.
Em Lisboa, controla à unha as despesas do palacete.
Continua a pagar do seu bolso o pessoal doméstico, o colégio e a ginástica do
Antoninho, e põe na mão da governanta uma média de cinco contos por mês
para alimentação, pedindo-lhe que não se estique. Assenta as gorjetas que dá
aos homens que tratam do parque, as toalhas que compra pela Páscoa «para as
raparigas», o pagamento do calista e do barbeiro, os jornais nacionais e
também os de província que se habituara a assinar desde os tempos de
professor, as contribuições para associações e coletividades e os donativos para
juntas de freguesia, algumas do seu concelho de origem.
As frequentes entradas e saídas de empregadas são outra dor de cabeça. Não
só por serem, muitas vezes, resultado dos apetites e impaciências da
governanta, mas também pelo constante reajuste e reaprendizagem de quem
entra.
É nos primeiros meses de 1967 que Rosália volta a dar notícias.
Passaram-se dois anos desde que, chorosa e vergada de saudades, abandonara
São Bento de regresso a Favaios.
A vida da rapariga, então nos 16 anos, não mudara.
Continuara enfarinhada entre afazeres domésticos, sacas de pão e uma
existência calejada no amanho da terra e nas fintas ao destino.
Mas o tempo de recolhimento paterno amadurecera a adolescente. Rosália
limara angústias, ponderara necessidades.
«Pensei, pensei muito. Mas o que é que estou cá a fazer?», interrogava-se. O
futuro não era ali.
«Os meus pais insistiam, claro. Eram pobres, coitados.»
Rosália reconsidera e escreve à governanta de Salazar.

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