III
A ditadura doméstica
Maria de Jesus tocava a campainha que tinha ao pé da cama às sete da
manhã.
As criadas, que dormiam nas águas-furtadas, num espaço amplo de
camaratas, «limpinho», faziam cera aos primeiros toques de alvorada dados
pela impaciente governanta. «Tapávamos a cabeça e não nos levantávamos
quando ela queria.»
Só quando a pressentiam, furiosa e ignorada, a subir no elevador é que
desatavam a correr cada uma para o seu canto, como baratas em fuga. «De
manhã, ela parecia o diabo, com aqueles cabelos no ar...»
Cada empregada tinha um toque atribuído.
Se a governanta quisesse chamar por Rosália deveria carregar sete vezes no
botão. O mesmo sucedia com a corneta, quando Maria mandava chamar a
criadagem que andava no parque, entre tanques, barrelas e roupa posta a corar.
«Olha, lá está ela a chamar por ti», atiravam umas às outras, provocadoras,
contando as «cornetadas» vindas da janela da copa e tentando adivinhar a quem
calhara tal «sorte».
A cozinheira da casa era a primeira a levantar-se.
As outras desciam depois, para o leite com cevada e o pão com manteiga,
que já esperavam na mesa grande de mármore, com duas gavetas, à volta da
qual se sentavam todas.
Dali a nada, descia «o senhor doutor».
Por vezes, tomava o pequeno-almoço – café com leite ou chá com torradas –
num pequeno sofá junto ao largo vão de escada que dava para o corredor. Se
nesse período da manhã calhava alguém ligar para São Bento, não era surpresa
ele atender, como qualquer serviçal.
Do mesmo modo, Salazar também pegava no telefone, descontraído, para