A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

com as suas fraquezas. Em resumo, «não era íntimo de ninguém» e «com a
maior doçura e sem paixão», deixava cair «as afirmações mais severas e as
críticas mais brutais e diretas».


Em São Bento, por tradição, as refeições eram servidas cedo.
Salazar comia um pouco mais tarde, no primeiro andar, sozinho ou na
companhia de Maria. As criadas, essas, almoçam antes, ao meio-dia, sempre na
cozinha. «Nunca comemos com eles à mesa. Nem nas festas», recorda Rosália.
Em casa como no País, Salazar nunca se esquecia das diferenças. «Não creio na
igualdade, mas na hierarquia», dissera numa entrevista.
Se acaso andasse em viagem e tal não o obrigasse a refeições associadas a
cerimónias, inaugurações e outros eventos, aos quais fugia sempre que podia,
era vulgar o chefe do Governo mandar parar o carro no trajeto e, à sombra de
uma árvore, desatar o farnel que Maria de Jesus preparara com esmero e mimos
ao gosto do patrão, acompanhado de um copo de tinto do Dão, o seu preferido.
Assim fez, antes de atravessar a fronteira, para uma cimeira com Franco.
Nas deslocações que implicavam distâncias mais longas ou que, por alguma
razão, a governanta intuísse perigo para a vida do seu «mais que tudo», Salazar
levava escapulários e medalhinhas protetoras que Maria lhe colocava no
pescoço ou na roupa interior.
Após o almoço no palacete, o ditador gostava de passear no jardim.
Dormia a sesta e recomeçava o trabalho.
Aparte as reuniões decorrentes da função, Salazar deliciava-se com visitas
fora da agenda habitual. Uma delas era Eusébio, estrela do melhor Benfica de
sempre. «Ia lá algumas vezes conversar com o senhor doutor, mas era muito
tímido e calado», relembra Rosália.
«A gente abria-lhe a porta e dizia: “faz favor de me seguir”. Mas ele, em vez
de vir atrás de nós para a sala, ficava no corredor. A dada altura, andávamos
todas à procura dele...», conta Rosália, divertida.
O ditador, que não morria de amores pelo futebol, sabia, contudo, o poderoso
instrumento que o regime tinha em mãos para aliviar as tensões das massas.
Eusébio era, além de tudo, um símbolo nacional.
Em 1966, convalescente de uma fratura nos ossos dos dedos do pé direito,
Salazar mancava e arrastava-se pela casa, apoiando o seu peso na bengala.
Contudo, não se queixara do incómodo, nem dera importância ao assunto.
«Nada, nenhuma. Grave, grave, e de consequências nacionais, seria se isto

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