A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

fotos de estudantes a resgatar as populações indefesas. Rebenta depois o
escândalo Ballet Rose. O caso envolvia vários homens das cúpulas do regime –
entre os quais um ministro – numa rede de prostituição infantil e orgias com
crianças entre os 8 e os 12 anos, pondo a nu uma das facetas mais sórdidas da
ditadura, que tenta abafar o caso e prende Mário Soares acusando-o de fuga de
informação para os jornais estrangeiros. «Caça à lolita no jardim do ministro»
foi a forma como um dos títulos da imprensa além-fronteiras se referiu ao caso.


Obviamente, estas impurezas do regime esbarravam nos muros do palacete
da Calçada da Estrela. «Eu não tinha noção nenhuma do que se passava
naquela altura, sabia lá eu... Nunca nos chegavam essas coisas, nem se ouvia
falar.»
O regresso de Rosália a São Bento, na primeira metade do ano, coincidira
com a visita do Papa Paulo VI a Portugal. Indesejada por Salazar, sobretudo
pela condescendência e abertura com que o sumo pontífice via a questão
indiana depois da perda da «Índia portuguesa», a deslocação acabará por
realizar-se, embora com imbróglios pelo meio.
No dia 12 de maio de 1967, quase todo o governo rumara a Monte Real.
Ao jantar, o ambiente oferecera-se algo desregrado, demasiado festivo para o
habitual, semelhante a um recreio escolar sem ninguém a vigiar, nota Franco
Nogueira. Após o repasto, Salazar retirara-se para uma sala interior do hotel,
conversando com alguns governantes.
Ainda não digerira o facto de Paulo VI ter feito saber que só um máximo de
cinco ministros poderia comungar quando o seu rosto voltava a mostrar alguma
irritação: acabara de saber que o Papa solicitara a presença da «pastorinha»
Lúcia no santuário, no dia seguinte.
Para o chefe do Governo, o pedido roçava o absurdo.
Considerava um ato demagógico a exibição pública da «vidente de Fátima».
O seu transtorno fora tal que ameaçara regressar no dia seguinte a Lisboa, após
a missa, sem se avistar com o Papa. Estava preocupado com os riscos que a
freira pudesse correr, acessível à multidão que desejaria vê-la, tocá-la, quiçá...
esmagá-la. «Nós não temos nada preparado para a segurança da Lúcia»,
desabafara. Mas logo se conformara, moderado por alguns ministros que lhe
recordam a autonomia da Igreja nestas questões.
De resto, a Virgem de Fátima haveria de protegê-la, sugerira o bispo de
Leiria. «Só não estou seguro de que Nossa Senhora ache bem deixarmo-Lhe a

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