A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Ela o que era de nossa obrigação fazer», atalhara Salazar, mordaz.
Os polícias indicados para velar pela segurança do evento estavam também
inquietos.
Dos meios diplomáticos portugueses no estrangeiro chegara o rumor de que
Paulo VI poderia sofrer um atentado durante a sua curta estadia em Portugal.
No fundo, não havia meios para garantir, ao mesmo tempo, a proteção do Papa,
do Presidente da República Américo Tomás, do próprio Presidente do
Conselho e de Lúcia. O chefe do corpo de segurança decidira, pois, concentrar
esforços no Pontífice, não se responsabilizando pelo que pudesse acontecer aos
restantes.
Salazar não faria caso.
Dissera que não acreditava em atentados e recolhera ao quarto, por volta da
meia-noite, aborrecido com as notícias desse final de jornada.
O dia 13 de maio amanhecerá chuvoso, mas a visita decorrerá sem
incidentes. De São Bento haviam partido, em automóveis, as empregadas do
«senhor doutor», ansiosas pelo momento histórico e pelo privilégio da
proximidade com tais ilustres figuras. «Estivemos com a Lúcia, foi um
momento único», recorda Rosália. Para Salazar também, no fim de contas.
Deliciara-se com o impacto da visita papal e «a fúria dos inimigos», juntando
uma nota de humor ao acontecimento: «Naturalmente, tratei o sumo pontífice
por Vossa Santidade. Sabem como me tratou o Santo Padre?», questionara,
desafiador, junto de alguns colaboradores. «Chamou-me Vossa Eternidade.»


Por esta altura, a «pequena» Rosália estava definitivamente instalada no
palacete e agora para ficar. Desta vez, e ao contrário do que era hábito, os
primeiros meses de ordenado daquele ano de 1967 não aparecerão na
contabilidade pessoal rabiscada por Salazar nas suas agendas.
Tal só se verificará apenas a partir de agosto e logo aí descontando os dias
em que a mais jovem criada da casa se ausentara para ir à terra, assistir às
festas em honra do Senhor Jesus do Outeiro, no primeiro domingo do mês.
Quando, por esses breves dias, a rapariga tornava a Favaios, deparava-se com
todo o tipo de comentários sobre a ditadura, sem que os conterrâneos
desconfiem para quem trabalha. «Havia um senhor que tinha um bocado a
mania de dizer que era do contra», recorda. «Quando eu ia fazer recados para a
minha mãe à mercearia, ele falava contra o regime e criticava o senhor doutor
Salazar.»

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