A última criada de Salazar

(Carla ScalaEjcveS) #1

Numa ocasião disse-lhe: «Você qualquer dia vai pagar tudo aquilo que está a
dizer!» Quando o homem descobriu quem era, afinal, o patrão de Rosália,
«apanhou um cagaço tal que foi logo pedir à minha mãe para eu não contar
nada ao Salazar».
O salário de Rosália em São Bento será de 300 escudos, o mais baixo da
criadagem, valor devidamente anotado pelo Presidente do Conselho, pormenor
que a própria criada toda a vida desconhecerá.
A responsabilidade pelo depósito e boa gestão dos vencimentos das
«raparigas» cabia à governanta, que encaminhava os valores para contas da
Caixa Geral de Depósitos.
Rosália continuará, pelos anos, convencida de não ter ganho mais de cem
escudos por mês. «Foi o que sempre me disseram. Se o senhor doutor escrevia
trezentos e a dona Maria dizia que eu ganhava cem é porque algum se deve ter
perdido pelo caminho...»
Durante os anos que permaneceu em São Bento, Rosália não se recorda
sequer de ter sido aumentada. «Trabalhava-se para comer, ter cama e roupa
lavada. O ordenado nem vinha para a minha mão.»
Se a pequena, por acaso, se encantasse por uns sapatos, um vestido ou uma
saia no regresso das idas ao mercado, Maria dava o dinheiro. Mas ela já sabia:
o valor seria descontado no vencimento.
Por vezes, Rosália dirá à governanta que precisa de enviar dinheiro para os
pais, «mas não podia usá-lo sem autorização dela. Era sempre ela que decidia
quanto e quando mandava.»
Maria é dona e senhora do quotidiano doméstico de Salazar e manda em
todos os aspetos da vida da criadagem.

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