Do cinema, trouxeram boas memórias de E Tudo o Vento Levou ou Música
no Coração. De regresso ao palacete, nessa noite ou no dia seguinte, já sabiam
o que as esperava. «O senhor doutor gostava de saber as peripécias todas: quem
estava, de que tratava a ópera, de que falava o filme, etc.». Eram obrigadas a
contar-lhe tudo.
Daí que, por vezes, para entreter conversa com amigos, ministros ou outras
figuras que o visitavam, Salazar falasse de peças de teatro ou filmes ao
pormenor, mas que alguém tinha visto por ele.
Salazar não metia medo, «punha-nos à vontade».
Maria, na verdade, também não. «A gente ria-se dela.»
Mas era implacável.
Quando estava de castigo, Rosália ia tirar os grelos das batatas. Nessas
ocasiões, acabava horas vergada na horta, «mas o senhor doutor, que gostava
de andar na garrafeira, aparecia de surpresa, por detrás, e vinha apertar-me os
botões da bata.»
As cenas geravam ciúme, admite Rosália.
Ele, «talvez infeliz nos amores», nem por isso cedera à dedicação e mesuras
da governanta. Ela, «uma mulher mal-amada, coitada», considerava Salazar
propriedade privada, mas apenas desfrutado numa adoração platónica,
imaculada.
Ao anedotário nacional não escapava aquela vivência misteriosa entre o
ditador e a sua governanta. Num desses episódios que circulavam de boca em
boca, contava-se que Salazar surpreendia Maria, escondido num cortinado.
«Ai, meu Deus!», assusta-se ela, que se julgava sozinha, a limpar o pó.
«Quando estamos a sós podes tratar-me simplesmente por “senhor doutor”»,
respondia, divertido, o ditador.
Na verdade, dormiam frente a frente, separados por um corredor.
Por tradição, as empregadas abriam as camas de ambos, estendendo o pijama
dele e a camisa de noite dela, como a qualquer casal.
Antes de subirem para as camaratas, as moças iam ao quarto despedir-se dele
com um beijinho. Continuarão a fazê-lo sempre, mesmo quando Salazar,
adoentado, já mal conseguirá levantar-se.
Longínquos iam já os tempos em que se dedicava à leitura de jornais
estrangeiros ou livros recentes antes de adormecer no seu «sono medíocre».
Maria também não se deita sem dar as boas-noites, mas por vezes ficavam os