Maria governava à unha a vida na residência oficial.
Mas tinha também os seus bons momentos.
«A mim, deu-me uma camisola muito linda e pano para um vestido que ela
mesma mandou costurar», precisa Rosália.
A quadra natalícia era propícia a essas «pequenas lembranças», mas sem
euforias. Salazar aproveitava prendas que chegavam de todo o País e distribuía-
as pela «família» do palacete. Coisa pouca, modesta: chocolates, lenços e
flores. «Não havia festa nem nada. Nem sequer ceávamos com o senhor doutor
e a dona Maria.»
Com Salazar, a governanta esbanjava nos mimos.
O ditador, que por razões de saúde se afeiçoara a um certo tipo de botas
pretas, em pele, recebeu aos pulos, como novo, um par que julgava ter ido para
o lixo. Maria, sabendo que o pé do patrão lhe fugia para esses hábitos, mandara
compor o calçado a um sapateiro de confiança. «Pôs meias solas, meteu-as
numa caixa e deu-lhe de presente. Ele ficou todo contente, estava muito
habituado a esse tipo de botas, molezinhas, por causa dos joanetes e dos calos.
Era eu que as engraxava todas as noites», assegura Rosália.
Apesar das oferendas que todos os dias se apreciavam palacete adentro, nem
por isso a governanta deixava de administrar com mão de ferro as despesas e as
refeições da casa. Anotava tudo o que gastava e comprava. O ditador tinha-a
controlada também nesse aspeto, ou não gostasse ele de saber o preço das
coisas e calcular o valor do que lhe era servido à mesa.
Às refeições, Salazar apreciava, contudo, a encenação requintada, mesmo
que pouco comesse e nunca repetisse. A não ser por obrigação, raramente fazia
conversa e era habitual a governanta deixá-lo sozinho à mesa, absorto em
pensamentos, e sem grandes apetites, na sala privada do primeiro andar, onde
repousavam as suas mobílias, toalhas, copos, pratos e talheres.
Uma das irmãs definira-o sem eloquências: «Come pouco, prefere o peixe à
carne, a fruta aos doces, os legumes aos ovos.»
O seu temperamento puxa-o, porém, para os pormenores.
Repara se uma toalha de renda está do avesso – como acontecera na
preparação de um jantar de gala em 1946 – não se exime de críticas se a
comida não lhe agrada. Cuida e vigia ao milímetro os preparativos de refeições
oficiais, para que nada seja deixado ao acaso.
Por ocasião de um almoço em Sintra e de um jantar no Palácio das