Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

contava vê-la aqui.



  • Esperava que pudesse oferecer-me algo quente... Faz tanto frio que o embaixador da
    Moscóvia ficaria encantado. Chá, talvez? A rainha tornou as infusões muito populares.
    Sem dizer mais, agarrou no copo de brandy e entregou-o à criada, que se apressou a levá-lo,
    dizendo:

  • É para já, senhora.
    Parecia aliviada por Frances não ter mencionado as suas confidências.

  • Queria apenas transmitir-lhe as minhas condolências e pêsames pelas perdas que sofreu.
    Ficou espantada ao ouvir um soluço escapar-se da boca dele.

  • Ela só tinha dezoito anos, a minha pobre Elizabeth. Era muito delicada, calada como um
    ratinho, mas dotada de um caráter bondoso. Estranhamente, eu não quis a união. – Olhou para
    Frances com uma intensidade súbita. – É certo que tinha os meus motivos para resistir. Mas o
    meu tio Ludovic tratou de tudo e afirmou que era o dever que eu tinha para com a família.
    Porém, eu nunca desejei tal coisa. E a pequena Isabella, tão pouco tempo depois. – Desviou o
    olhar, com uma expressão arrasada. – Disseram-me que foi de tifo. Cinco dias! – Ela percebeu-
    lhe a falha na voz e desejou poder confortá-lo. – Desde os primeiros tremores até ficar deitada
    no caixão, não passaram mais de cinco dias.

  • Lamento mesmo muito a sua perda. – Pousou uma mão no braço dele por um mero instante e
    os olhos angustiados de Charles fitaram os seus.

  • Não deveria ter-lhe enviado a égua.

  • Foi um ato de cortesia, decerto.

  • Não, não se tratou de cortesia. Tenho-me perguntado – continuou, num tom tão baixo que ela
    mal o ouvia –, se terei sido punido por esse ato impensado e se terão sido a Elizabeth e a
    Isabella a pagar por isso.
    Frances abanou a cabeça.

  • Tenho a certeza de que Deus não age de forma tão vingativa. Para além disso, está a
    exagerar a enormidade do pecado.

  • Como poderá saber quão grande foi o pecado?

  • Se assim foi, eu também participei nele.
    Ficaram em silêncio, a olhar um para o outro e, a Frances, o tempo pareceu suster-se – deixou
    de ouvir o tiquetaque dos relógios e os sons da corte buliçosa. Não sabia se era a culpa ou a
    raiva o que lhe dava vontade de se insurgir contra o mundo que ambos habitavam, no qual a vida
    era sujeita à família e ao dever e eles não podiam falar do que sentiam realmente.
    Também não ouviram a batida na porta e só quando a criada, que entretanto se mostrara
    ansiosa, entrou seguida de um homem alto e magro, cabelo curto, grisalho e olhos claros e
    penetrantes, é que voltaram a ter noção do que os rodeava.

  • Tio Ludovic! – O duque abanou a cabeça como se um sonho estivesse a transformar-se num
    pesadelo. – Não esperava a sua visita.

  • Obviamente. – O seu olhar de falcão detinha-se ora nele ora nela, como se fossem crianças
    traquinas, em vez de um jovem de vinte anos e uma donzela com idade suficiente para inspirar o

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