Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

Aquele terminal do rio ainda estava mais movimentado, sobretudo junto ao porto, onde os
navios ancoravam e descarregavam, pagando as devidas taxas aduaneiras. Ali ficava o coração
do comércio da Grã-Bretanha: carvão de Newcastle; especiarias e açúcar da Guiné e das
Índias; tabaco das Colónias Americanas; peles da Moscóvia. E, em troca, os belos panos
britânicos, sobretudo as novas peças suaves que haviam suplantado a lã pesada e irritante, bem
como corantes, linhos, algodões, madeira e sedas. Por todo o lado se ouviam gritos dos
mercadores navais que davam e recebiam ordens, o estrepitar de cordas ao vento e o toque dos
sinos dos navios. Frances inspirou aquele ar, carregado de aromas pungentes. Sentia o odor a
cominho e a gengibre, a cravo-da-Índia e a canela, cheiros tão fortes que quase bastariam para
condimentar a tradicional bebida feita de leite coalhado com vinho ou cerveja.
O barqueiro afastou-se da margem e começaram a avançar rio abaixo. O vento ajudava e
depressa deixaram a desordem dos cais e da Casa Alfandegária. Depressa tudo ficou verde,
amplo e silencioso, apenas com algumas casas numa margem ou na outra e, de vez em quando,
via-se o campanário de uma igreja, semienterrada em prados verdejantes. Ocasionalmente, uma
vaca aproximava-se da margem e fitava-os, como se fossem visitantes de uma terra longínqua.
Por todo o lado começavam a despontar flores silvestres, campainhas e anémonas, minúsculas
anagálides escarlates, as primeiras orquídeas azuis da estação, de uma extravagância quase
nupcial.
De algum estranho modo, era como se a paisagem verde aguardasse por ela. Ali, Frances
conseguia respirar, longe do calor e das intrigas, daquele espaço onde todos queriam qualquer
coisa e não se coibiam de se usar uns aos outros para a conseguirem, onde a franqueza era vista
como ingenuidade, algo digno de riso e troça.
Nem o barqueiro nem nenhum dos outros passageiros lhe perturbou os pensamentos calmos.
Os rostos honestos não pareciam reparar nela ou perguntar-se o que estaria uma dama tão
elegante a fazer ali, sem escolta. Assentiam com a cabeça e sorriam e, quando a embarcação se
aproximou da margem em Gravesend, o barqueiro ajudou-a a sair e desejou-lhe felicidades. No
cais, ela chamou uma carruagem e o condutor acenou respeitosamente com a cabeça quando ela
lhe pediu que a levasse a Cobham Hall.
Percorreram as últimas poucas milhas entre altas sebes profundas cheias do canto dos
pássaros.



  • Quanto falta? – perguntou ao cocheiro.

  • Não falta muito, senhora. Já não falta muito.
    Só quando viraram na portagem e entraram no trilho sinuoso para carruagens, com a casa
    quase à vista, Frances começou realmente a perder a confiança. O que estaria ali a fazer, e o que
    esperava de Charles Stuart? Mesmo que ela tivesse razão e ele nutrisse sentimentos por ela,
    como poderia pedir-lhe que fugisse de tudo o que era esperado dele?
    Se estivesse a montar, teria voltado para trás nesse instante; e, na verdade, estava prestes a
    pedir ao cocheiro que o fizesse, quando a casa surgiu diante dela. Ali estava, soberba e nítida,
    contra o azul-claro do céu da tarde. Cobham Hall fora construída com tijolos escuros, que os
    anos haviam amaciado, com dois torreões na extremidade de cada ala e uma vasta casa

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