- Por que motivo a deixa tão contente o infortúnio do conde, Belle? – quis saber o rei.
- Estava apenas a pensar no que a minha ama diria, Majestade. Muitos vão buscar lã e voltam
tosquiados.
O rei soltou uma grande gargalhada. - Não posso esquecer-me de lhe recordar isso.
Contudo, Mall não se juntou aos risos. Preocupavam-na outros assuntos. - Não acha que o Jermyn é um homem incivilizado e insubmisso? – perguntou ao rei,
esperançada. – Do género capaz de se envolver numa luta sem pensar nas consequências? - Ah! – replicou o rei. – Refere-se ao duelo com o nortenho Tom Howard? O Jermyn é
realmente incivilizado, mas estou bem mais zangado com o Howard. O Tom faz parte da minha
guarda pessoal. Da parte dele, trata-se de uma ofensa séria. E eu terei de me responsabilizar
perante a família do jovem Rawlins, lembre-se bem disso. Foi ele quem o matou.
O resto da viagem foi passada com Mall num silêncio pesaroso e Frances a tentar distrair o
rei, não fosse ele adivinhar o motivo do interesse dela por aquela questão.
Quando chegaram a Whitehall, Frances foi a primeira a apear-se, pois os seus aposentos eram
os mais próximos do portão Holbein.
Assim que Frances desapareceu no interior do seu edifício, Mall virou-se para o rei e,
esquecendo todas as intenções de ser discreta, inquiriu: - Majestade, o que seria necessário para que perdoasse Tom Howard e este voltasse a estar
nas suas boas graças?
O rei fitou-a com um olhar franco, começando a compreender. - Então é isso que se passa. Não será ele um fruto demasiado verde para os seus gostos,
Borboleta? - Não sou assim tão velha! Para além disso, o seu pai casou-me aos doze anos, e passado um
ano, já eu era viúva; depois, aos dezasseis, fez-me desposar um dos seus parentes. Aprendi a
amar o meu James, mas foi um amor nascido do dever, não da escolha. - E agora escolheu o Tom Howard? Sem um tostão e o filho mais novo da família? Tem
orgulho e afeto debaixo daquele exterior calmo, isso é verdade. Mas a Mall é a filha de uma das
maiores famílias de toda a Inglaterra. Não poderá ser. Não poderei perdoá-lo... a menos
que...? - A menos que?
- Já lhe disse o que mais desejo nesta vida. – Os seus olhos escuros e líquidos fitaram os
dela. Pareceu a Mall que via um laivo de vergonha sob o riso. – Daria a minha alma imortal se
ela se entregasse a mim, que Deus me perdoe. Se a persuadir a dar ouvidos aos meus rogos,
perdoarei o Tom Howard. - Já lhe disse que não posso fazê-lo.
A expressão do rei endureceu. - A escolha é sua e terá de viver com ela.
O outono aproximava-se, trazendo consigo um forte vento melancólico que despia as árvores