Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

das suas folhas douradas antes de os londrinos terem tempo de as admirar. Não que os londrinos
prezassem tanto a natureza como apreciavam os encantos mais cívicos: teatros, mercadores
ambulantes e o burburinho do comércio. Os prazeres do arvoredo de Tunbridge Wells depressa
se tornaram uma memória distante.
Barbara teve o seu bastardo com a facilidade habitual e a rainha continuava sem conceber,
não obstante as atenções noturnas e as preces do rei.
Sem o espírito jovem de Tom Howard, Mall sentia-se tão melancólica quanto o tempo. Sentia
que as folhas lhe caíam, como as das árvores. Não tardaria a ficar tão seca e nodosa quanto
elas.
Ver a sua filha Mary – que, contrastando com os lamentos outonais da mãe, crescia tão
depressa como um rebento novo de primavera – também a entristecia. Em breve Mary teria
idade suficiente para ser prometida em casamento, como acontecera com Mall aos onze anos.
Poderia até casar e sair de casa, deixando a mãe a definhar na velhice.
Foi Frances quem reparou primeiro na mudança. Mall, divertida e lesta, sempre com
observações e comentários prontos a aguilhoar a pomposidade e a licenciosidade da corte,
mostrava-se estranhamente abatida.
Atribuindo a situação à perda de Tom, Frances inventava estratagemas para a distrair da sua
tristeza.



  • Venha comigo a Covent Garden – tentou convencê-la, ao vê-la ainda na cama depois da
    hora do jantar. – Vou posar para o meu retrato, por encomenda da duquesa de York. Ela anda a
    colecionar todas as beldades da corte e eu, parece, sou uma delas! Seremos apenas nós e o
    pintor, Lely. Poderá fazer-me rir e dar cabo do retrato, não me importarei.
    Mall sentou-se, sem conseguir evitar ficar interessada.

  • O quê? Perder a oportunidade de ser uma dama pintada na companhia das mais lindas
    rameiras desta terra? Sem dúvida a Barbara estará lá e Lady Shrewsbury também, aquela
    rameira que precipitou a queda do meu Tom. E a Diana Kirke que, apesar da linhagem que tem,
    deveria cobrar à noite. Para além disso, gostaria de ter oportunidade de censurar o mestre Lely.
    Como se atreveu a pintar a minha prima Barbara como se fosse a Madona? – Até a
    imperturbável corte da Restauração se escandalizara com a visão de Lady Castlemaine fazendo
    de modelo da Virgem Maria, com o filho bastardo como Jesus. Sabe a melhor parte? – Mall
    levou a mão ao lenço, animando-se com o tema. – A Barbara enviou o quadro a umas freiras
    francesas para lhes servir de retábulo... até que elas descobriram a meretriz que posara como
    Maria... e devolveram-no!
    Assim, com uma disposição surpreendentemente alegre, Frances e Mall pediram uma
    carruagem que as levasse à Piazza em Convent Garden e ao estúdio de um certo Peter Lely,
    pintor oficial da corte do rei Carlos II.
    A carruagem deixou-as junto a uma ruela estreita que ia ter à Piazza. Passaram ao largo de
    dois fidalgos que estavam a acotovelar-se por um lugar junto ao muro, para evitarem o que era
    atirado de uma janela. Um deles já tinha desembainhado a espada e parecia prestes a matar o
    outro, mas interromperam-se e fizeram uma vénia ao verem Frances e Mall.

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