Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

Para espanto de Peter Lely, La Belle Stuart proferiu tal afirmação com uma piscadela de olho.
Porque seria, perguntava-se ele, que diziam que ela era ingénua, quando parecia compreender
tão bem os subterfúgios do simbolismo da corte?



  • Será a deusa virgem da caça?

  • Isso mesmo. – Frances assentiu com a cabeça, fazendo uma expressão maliciosa. – Deixarei
    as conquistas amorosas para a Lady, e correrei castamente pelos arvoredos de Whitehall,
    perseguindo apenas aqueles que sejam tão pretensiosos e hipócritas que mereçam sofrer, para os
    abater com as minhas setas.

  • Senhora – respondeu Lely com um sorriso –, então haverá poucos que escapem à fúria do
    seu arco.
    Enquanto falava, o pintor ia começando a trabalhar, delineando o rosto de Frances em giz
    numa folha.
    Quando terminou, mostrou-lhe como estava semelhante e ela assentiu com a cabeça.

  • Conseguiu reproduzir com precisão o meu nariz romano e evidenciar que tenho o lábio
    inferior mais cheio do que o superior. Mas os olhos? Não lhe parece que me dá demasiado o ar
    ensonado de Lady Castlemaine, cujos olhos fazem sempre pensar no quarto, mesmo quando ela
    está na capela a rezar?
    Lely riu-se.

  • Há quem diga que dou o mesmo olhar a todos os modelos. A fatal Barbara enfeitiçou-me
    com os seus encantos sonolentos.
    Frances estalou os dedos e sobressaltou-o.

  • Então acorde! Pois eu sou de uma raça bem distinta.
    Mestre Lely tornou a observar a sua obra e alterou os olhos, tornando-os maiores, com um
    olhar tão recatado quanto sensualmente cativante, o que capturava com exatidão o encanto
    particular de Frances.

  • Assim está melhor, pelo menos já sou eu! – elogiou-o ela.
    Ele pediu-lhe que voltasse a pousar em frente a um cenário pintado de uma floresta nublada, e
    colocou-lhe um arco na mão.

  • Segure-o na mão esquerda... assim. – Dispôs-lhe o braço estendido para que mantivesse o
    arco ao nível da cintura. – E agora, com a mão direita, apanhe o drapeado do vestido e puxe-o
    para trás, como se fosse dar um passo em frente e perseguir algum pretensioso com as suas
    flechas. Exato!
    Mais um traço de giz no papel e ele terminou, fazendo apenas uma pausa para encontrar a
    tonalidade certa do âmbar do vestido dela no meio dos muitos materiais que guardava: sedas e
    cetins, tafetás e panos de ouro, linho e veludo, em todos os tons desde violeta a escarlate, para
    poder trabalhar nos tecidos mesmo quando os seus modelos não estavam presentes.

  • Adeus, senhora. – Peter Lely fez uma grande vénia. – Não pretendo lisonjeá-la quando digo
    que foi um verdadeiro prazer; peço-lhe que regresse assim que possa, para continuarmos o
    retrato.

  • Assim farei, senhor – prometeu Frances.

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