Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

  • Mas o rei não está aqui?
    Olhou em volta, apercebendo-se pela primeira vez da estranha ausência que deveria ser o
    centro de todo o festim.
    As suas palavras provocaram um silêncio geral e Buckingham apressou-se a olhar para
    Arlington, como se se tratasse de um sinal para dar início a alguma ação.
    O duque de Buckingham pigarreou.

  • É muito perspicaz, senhora. Contudo, ele está cá. Neste momento encontra-se no pavilhão
    de verão, no fundo do meu jardim, onde se concentrou de tal forma numa das suas experiências
    científicas que não foi capaz de se afastar, nem para a companhia aqui reunida. Na verdade,
    pediu especificamente que a senhora o visitasse, para que ele pudesse mostrar-lhe a maravilha
    que o ocupa.
    O olhar de Frances dardejou na direção do duque de Richmond.

  • Mas não conduz ele as suas experiências no laboratório de Whitehall? – perguntou, com a
    voz firme a fraquejar.

  • A maioria, sim – fanfarronou Buckingham. – Mas esta tem a ver com o mundo natural e ele
    desejou fazê-la aqui. Irá ter com ele?
    Os murmúrios de conversa tinham parado, como se uma raposa houvesse regougado à meia-
    noite e todos ficassem à escuta.
    Frances endireitou-se, de cabeça erguida.
    Quando passou pelo duque de Richmond, fingiu deixar cair o leque e, enquanto ambos se
    baixavam para o apanhar, sussurrou-lhe:

  • Se eu não tiver voltado dentro de quinze minutos, por favor, invente uma desculpa para ir
    procurar-me.
    A mão dele tocou na dela.

  • Pela minha vida, assim farei.
    E, com o olhar silencioso de todo o grupo fixo nela, Frances desceu sozinha a imensa
    escadaria de pedra para chegar ao pavilhão de verão.
    Ocorreu-lhe, enquanto invocava coragem e engenho, que todo o festim estivera marcado por
    uma estranha deliberação, como se não passasse de um preâmbulo, em vez de ser o evento
    principal. O que significava que o verdadeiro propósito da noite estava para acontecer – e era
    atirá-la, como Daniel, para o covil do leão. Lembrou-se de que, em criança, lhe tinham lido a
    história de Daniel: ele rezara e Deus selara as bocas dos leões para que não pudessem devorá-
    lo.
    Endireitou as costas, ficando tão alta quanto possível. Com ou sem a ajuda de Deus, não
    tencionava ser devorada pelo rei.

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