- Oh... sim, não sei... Mas parece-me que talvez não quisessem que soubesse.
Mall pôs-se de pé num salto. O irmão tinha dado seguimento ao plano real de violação real.
Ocorreu-lhe ainda outro pensamento, sem dúvida enviado pelo diabo para a tentar. O rei
dissera que perdoaria Tom Howard se Mall o auxiliasse a ter Frances na sua cama. Naquela
noite, talvez até àquela hora, a sedução poderia estar a acontecer. E, se fosse bem-sucedido, o
rei ficaria tão extasiado por alcançar aquilo que desejava há tanto tempo que talvez perdoasse
Tom mesmo sem a sua ajuda. E, se ficasse a saber que Mall descobrira o plano e não o travara,
sentir-se-ia ainda mais grato.
Mall abanou a cabeça para se livrar do pensamento vergonhoso. Sacrificaria toda a honra e
bondade por causa do seu amor egoísta?
Havia uma forma de pôr fim àquela conspiração, apenas uma.
Enquanto as outras aias a observavam, tapando a boca com as mãos para fazerem comentários
sem serem ouvidas, Mall apressou-se a correr para a porta, parando apenas ao ver o pequeno
negro que a rainha adorava mimar.
Ajoelhou-se e sussurrou à criança: - Diz à rainha que há uma festa na casa do duque de Buckingham e que Mall Villiers diz que é
um entretenimento singular que ela não deve perder. Consegues decorar isto?
O rapazinho assentiu solenemente com a cabeça.
Assim que o viu encaminhar-se para o estrado ao fundo da sala, Mall desceu as escadas
quase a correr, passou pela sala do catavento e percorreu a galeria privada, até chegar a um
conjunto de aposentos que, até então, sempre evitara.
Inspirando profundamente, bateu à porta.
Um criado abriu-a, envergando brocados dourados, com meias douradas e sapatos dourados e
brancos, num traje muito mais rico do que qualquer dos assistentes da rainha.
A ofegar, Mall transmitiu-lhe a mesma mensagem: - Lady Castlemaine deverá ir sem demora a casa do duque de Buckingham.
Sem esperar por resposta, apressou-se para os seus aposentos, de onde tirou o manto, e
começou a correr pelo átrio em direção ao portão do palácio, rezando a um Deus que muitas
vezes ignorava para conseguirem chegar a tempo.
A escuridão obrigava-a a precisar da ajuda de um criado com um archote para a alumiar até
Wallingford House. Este, entusiasmado por ter uma dama tão importante a quem conduzir pela
King Street, foi assobiando até um pequeno grupo de companheiros seus ter surgido, à espera de
uma recompensa generosa, pelo que Mall chegou à casa do irmão rodeada de archotes.
Frances atravessou a escuridão dos jardins em direção ao pavilhão de verão com a cabeça
erguida e os sentidos em alerta.
Era uma noite agitada de outono, as nuvens passavam diante da lua em quarto crescente,
deixando os céus ora negros, ora raiados de uma luz pálida e trémula, daquele género de tempo
que dava vontade de apressar o passo junto de cemitérios, manter os olhos baixos e fechar bem
o manto.