Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

mesmo para uma breve confidência.
Podia haver escassez de combustível e comida, mas a rainha queria dar as boas-vindas ao
filho com o máximo de pompa possível, e ele era tido em tão alta consideração que, apesar do
inverno rigoroso que se abatera sobre Paris nesse mês de dezembro, a todos parecia que a
primavera tinha surgido de repente.
A expectativa provocada pela visita do príncipe Carlos deixava todos os rostos com um
sorriso, desde o humilde rapaz que virava o espeto à mais importante dama de companhia da
rainha. Quanto à própria monarca, decidiu recebê-lo não no Palais Royal, onde ele poderia
reparar nas depredações soldadescas ou no estado lamentável em que se encontravam as
mobílias, mas no mais pequeno château de Colombes, que ficava a uma hora de cavalgada. Aí,
os quartos foram limpos, as cortinas e os tapetes batidos, e uma espécie de festim – pobre
embora – foi preparado para dar as boas-vindas àquele que todos esperavam viesse a ser rei.
O cozinheiro sentiu-se agradecido por poder ao menos juntar caça à panela. E os cortesões
dedicaram-se ao desporto de caçar coelhos, pelo que, embora nada daquilo pudesse rivalizar
com os dez ou quinze pratos de um banquete real de outrora, o príncipe teria pelo menos uma
variedade de carnes por onde escolher. Maçapão, confecionado com amêndoas e demasiado
dispendioso para o orçamento reduzido de que dispunham, não passava de uma memória remota,
mas a habilidade do cozinheiro resultou numa grande tarte de maçãs que tinham sobrado do
outono; e, com algumas ameixas secas, ele cozinhou uma tarte mais pequena, ornamentada com
uma coroa minúscula de ouro para culinária, que ele implorara ao doceiro do rei Luís.
A pessoa que andava mais entusiasmada era a princesa Henriqueta Ana. Apesar de a
diferença de catorze anos que os separava fazer com que Carlos mais parecesse seu tio do que
irmão, ela aguardava a chegada dele com uma impaciência infantil.



  • Será que mudou muito desde a última vez que o vi? – perguntava às aias. – Será ainda
    aquele homem risonho de cabelo preto de que me lembro, que costumava sentar-me no joelho
    quando eu era uma donzela pequena e cantar-me «Era uma vez um cavalo que vivia num lindo
    carrossel»?


Frances achava que raras vezes vira Henriqueta com um ar tão encantador. Sempre fora muito
pequena, como uma boneca, de aspeto tão frágil que dava a impressão de uma rajada de vento
poder soprá-la para o Sena, mas agora irradiava felicidade e expectativa. Frances não conhecia
o príncipe, mas não lhe escapava o efeito que ele tinha sobre todos os que o rodeavam,
sobretudo sobre a irmã mais nova.



  • É quase como se estivesse a preparar-se para receber o noivo – comentou Sophia, com a
    sua habitual falta de tato.

  • Ela tem tempo de sobra para isso – corrigiu a mãe delas. – Deixa-a desfrutar dos prazeres
    de um casamento sem as suas tribulações.

  • Achas que estava a referir-se à noite de núpcias? – perguntou Sophia, sempre pronta para
    detetar quaisquer insinuações desse género.
    Frances desviou o olhar, assaltada pela memória da sensação estranha de uns dias antes,

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