Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

Enquanto esperavam, num silêncio invulgar para quem costumava parecer um bando de aves
barulhentas, Alexander Frazier, pai de Cary e um dos mais importantes médicos do rei, chegou e
foi um dos primeiros a ser admitido nos aposentos da rainha.



  • Há de servir de muito – sussurrou Mall a Frances, cobrindo a boca com a mão para que
    Cary não a ouvisse. – Velho beberrão. Para fazer nascer os bastardos da Castlemaine e curar o
    Rochester da gonorreia, está muito bem, mas eu tão depressa me sentaria numa pocilga com um
    vestido branco como lhe confiaria a minha vida. O mais provável é que lhe dê as Gotas do Rei e
    nada mais.

  • E as Gotas do Rei não são afamadas por serem um grande restaurador?

  • Após tomar demasiado vinho do Reno, talvez, ou depois de se comer uma ostra estragada.
    Contudo, se estivesse verdadeiramente doente, gostaria de tomar linfa de hastes de veado e
    víbora seca em óleo misturados com o crânio de um homem enforcado?

  • É mesmo isso o que contêm?
    Frances teve de se segurar a uma cadeira perante tal ideia.

  • É o que se diz. Mas Sua Majestade acredita veementemente na sua eficácia. Talvez por
    causa das cinco mil libras que pagou ao doutor Goddard pela fórmula.

  • Julga realmente que ela poderá ter a vida em risco? – perguntou Frances.
    Mall encolheu os ombros.

  • Já me pareceu semimorta, pobre senhora.
    Nesse momento, Alexander Frazier espreitou pela porta e chamou Cary e Frances.

  • Venham. Precisamos que tragam roupas de cama lavadas para a rainha. Estão a ser
    perfumadas por Mister Chase, o boticário, segundo me disse a criada dela.
    Por trás dele, ouviu-se um grande prato.

  • São as criadas portuguesas dela. A rainha implorou ao rei que fossem elas a cuidar dela e
    agora os seus aposentos estão algures entre Babel e o asilo de loucos de Bedlam. Vão! Tragam
    as roupas de cama.
    Quando voltaram, carregadas com pilhas de fronhas, lençóis e camisas de dormir,
    descobriram que os aposentos da rainha revelavam de facto um espetáculo triste e
    extraordinário.
    O quarto, embora fosse grande, parecia ter metade do tamanho habitual, de tão apinhado
    estava de médicos, cortesãos, criadas portuguesas, monges de mantos negros e o perfumista da
    rainha, que ia abrindo caminho volteando um incensário, como o padre fazia durante a missa.
    A penumbra e o calor intenso que emanava de uma grande lareira sempre a ser alimentada
    com mais toros por dois pajens negros davam um ar ainda mais estranho à cena. O brilho rubro
    das chamas criava uma atmosfera sinistra em todo o ambiente parecendo a Frances uma visão
    do inferno imaginada por algum pintor medieval.
    A um canto, o barbeiro da rainha – aquele de quem o rei se servira para gracejar com a rainha
    em tempos mais felizes – começava então a levar a lâmina ao cabelo dela, a única característica
    verdadeiramente bela que ela possuía, para além dos olhos brilhantes e escuros. Ao lado do
    leito, a governanta estava sentada com uma estranha touca que parecia feita com o género de

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