Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

  • Penso que rezarei pelas melhoras rápidas da rainha Catarina.
    Depois de elas partirem, Frances ficou a sós com os seus pensamentos. Sentia ira e repulsa
    por aquela pecaminosa aliança entre Henriqueta Maria e a sua própria mãe. Pior do que isso,
    estava furiosa por a sua mãe ser capaz de a submeter a uma prática tão humilhante – e
    recorrendo a truques, sem o seu consentimento.
    E, de facto, todo aquele incidente confirmava uma ideia que apenas tinha esboçado, mas que
    então se tornava clara como água. O papel de rainha pouco tinha que devesse ser invejado. A
    sua função principal não seria decorar uma corte, levar-lhe música, instrução ou beleza, nem
    sequer ser uma boa esposa para o rei, mas conceber um herdeiro. A verdade era que Catarina
    fora observada quase desde o dia em que casara, em busca de sinais de estar de esperanças.
    Realmente, Frances vira como Lady Suffolk, camareira-mor, se encarregava de gerir os lençóis
    reais. Até então, Frances julgava que isso se prendia com uma questão de limpeza, mas então
    percebeu o que significava. Era para ver se as regras mensais de Catarina estavam ou não
    presentes.
    Desejaria ela tal escrutínio? E se, tal como a rainha, também ela fosse estéril e a forçassem
    igualmente a viajar com a mesma frequência a Bath ou a Tunbridge Wells para tomar águas, na
    esperança de que isso a tornasse fértil, condenada a uma sensação incessante de desespero mês
    após mês, sabendo que também ela falhara?
    E o que seria ser rainha de Inglaterra, com um marido – por gentil e compassivo que fosse –
    sempre a ostentar Barbara Castlemaine e a andar atrás de damas como a própria Frances? Não
    tinha ilusões e sabia que, se alguma vez se casasse com o rei, ele depressa procuraria outras.
    Era essa a sua natureza.
    E, não obstante, se não desejava ser rainha de Inglaterra nem amante do rei, o que queria?
    Com um olhar lesto por cima do ombro para se assegurar de que ninguém estava por perto,
    Frances levou a mão debaixo do colchão e puxou de um caderno com uma encadernação de
    couro já muito gasta. Empoleirada na cama grande, virou as páginas com cuidado para que não
    se soltassem da lombada frágil. E depois lembrou-se de que tinha rasgado a imagem que,
    durante toda a sua vida, havia visto como um lar, lugar de conforto e felicidade.
    Guardou de novo o caderno no esconderijo e virou-se para o papagaio, a única ligação que
    tinha à vida que desejava.

  • Estarei tão iludida, pássaro, ao ponto de rejeitar um rei, preferindo um homem que já tem
    esposa?
    Contudo, desta vez, o papagaio, que costumava ter tantas palavras e sabedoria, não lhe
    ofereceu qualquer resposta. E então, quando ela estava prestes a deixar o quarto, falou
    finalmente:

  • O Amor não teme o tempo...

  • Isso, meu amigo emplumado, é algo que estou a aprender à minha custa. Então o duque de
    Richmond ensinou-te Shakespeare, foi? Então ele saberá os versos que se seguem:


Amor não se transforma de hora em hora,
Free download pdf