Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

Ao mesmo tempo, o médico pessoal da rainha ordenara que ela fosse tratada com pombos.
Embora não fosse inusitado que um par de pombos fosse sacrificado e colocado aos pés do
padecente, seguindo a crença de que um moribundo não poderia abandonar a vida se estivesse a
tocar em pombos, isso ampliava o caos ainda mais.



  • Charlatães! – vociferava o rei, com a paciência esgotada. – Impostores! Deixem a minha
    mulher, já!
    A rainha olhou para ele e ofereceu-lhe um sorriso ténue.

  • Permita que o padre fique. Tenho de me apaziguar com Deus.
    Carlos assentiu com a cabeça, já com uma expressão mais suavizada.

  • Seja feita a sua vontade.
    Frances e o conde de Clarendon recuaram para que o padre entrasse.

  • Jovem – dirigiu-se ele a Frances num tom seco –, tenha a bondade de dispor isto naquela
    mesa.
    Frances, de cabeça baixa, colocou um crucifixo, uma taça de água benta, um ramo de arruda e
    uma vela acesa na mesa junto à cama da rainha.

  • Primeiro terá de se confessar – disse o padre a Catarina.

  • O que tem a minha querida esposa a confessar? – resmoneou o rei, impaciente. – Passou a
    vida inteira em orações e peregrinações.

  • Silêncio, por favor.
    Apesar de se tratar do rei, o padre lançou-lhe um olhar reprovador. Agarrou no ramo de
    arruda e aspergiu Catarina com água benta, após o que lhe levou o crucifixo aos lábios e
    começou a entoar as palavras latinas do rito da extrema-unção.

  • In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti, extinguatur in te omnis virtus diaboli per
    impositionem manuum nostrarum
    ... Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que o poder
    do Diabo sobre ti se extinga por imposição das nossas mãos.

  • A minha mulher não está sob o poder do diabo – interrompeu Carlos, cada vez mais
    impaciente.

  • Majestade, respeite os desejos da sua esposa.
    Lorde Clarendon coxeou até ao rei e afastou-o da cama. O padre começou a ungir as
    pálpebras da rainha com óleo.

  • Que Deus a perdoe por qualquer mal que tenha praticado através do poder da vista...
    Depois, da mesma forma, ungiu-lhe as orelhas, as narinas, os lábios e os pés, absolvendo
    qualquer pecado que ela tivesse cometido por seu intermédio.
    Catarina confessou os pecados, professou a sua crença em Deus e, por fim, recebeu o
    «viaticum», a hóstia sagrada que a alimentaria na viagem eterna.
    A sua governanta fiel ajoelhou-se junto à cama e começou a chorar.
    Catarina, que até então estivera calma e satisfeita, começou a revirar-se e a murmurar
    estranhamente.

  • Desejo ficar a sós com a minha esposa – anunciou o rei num tom abrupto.
    O padre encolheu os ombros e, com uma interjeição de censura, abençoou-a uma última vez

Free download pdf