Era uma peça disparatada, na qual o criado francês perdia as calças e era colocado numa
barrica como vingança dos outros criados, seus rivais, que serviam uma viúva; foi o bastante
para lhes provocar o riso e, na segurança do camarote que ocupavam, apreciaram a atmosfera
do teatro, os comentários brejeiros, as cascas de laranja atiradas para o palco, os janotas e os
espertalhões, as damas com véus negros e sinais artificiais, a gente apinhada que se
acotovelava, tudo iluminado com velas que ardiam numa centena de nichos e candelabros.
Depois de os aplausos terem terminado, sir William Davenant, o diretor do teatro, fez uma
visita ao camarote, entusiasmadíssimo com a presença da monarca.
- Vossa Majestade – disse, com uma vénia tão profunda que as damas de companhia recearam
que a peruca lhe caísse –, que prazer vê-la de novo entre o povo que a adora. E que tenha
agraciado o meu pobre espetáculo com a sua vinda! Ainda que haja quem diga que é tão leve
como uma pena de galinha, trouxe mil libras ao teatro neste mês. - Impressionante, senhor – provocou Frances. – Talvez devesse pedir a todos os atores que
despissem as calças.
Entre os risos, ele perguntou se o rei também assistiria à peça. - Receio bem que se ocupe demasiado com a questão holandesa – respondeu a rainha.
Por toda a cidade se discutia o agravamento das relações com os Países Baixos e se dizia que
os Holandeses eram superiores no alto-mar, conquistando as melhores rotas comerciais, e que
estava na altura de a frota inglesa lhes dar uma lição. - Haverá guerra, então, Majestade?
William Davenant, os bolsos cheios de ouro com o novo êxito, não gostava da ideia. Tal
como acontecia com o propagar da peste e da febre maculosa, a guerra esvaziava os teatros
mais depressa do que os Franceses apanhavam sífilis. - Não sei – respondeu a rainha. – O rei disse-me que o parlamento é a favor e que o duque de
Buckingham pediu que lhe fosse dado o comando de um navio...
Os risinhos das aias, ao imaginarem o nariz vermelho e a peruca loura do duque ao vento,
levaram a rainha a olhar para elas com um ar de censura, mas até ela própria se riu também. - Na verdade – confidenciou enquanto saíam do camarote e passavam por entre a multidão,
que abria alas em sinal de respeito –, o meu marido diz que são poucos os Ingleses para além
dele que não desejam ardentemente a guerra. – O cocheiro abriu a porta da carruagem. – Refere-
se aos homens, claro está. As mulheres não querem a guerra... sabem que há demasiado a
perder. - Nem todas, Vossa Majestade. – As aias voltaram-se e viram Barbara Castlemaine, trajada
de seda âmbar, com um cinto de cetim azul e, na cabeça, um grande chapéu de cavaleiro com
penas azuis, a emergir do meio da multidão. – A guerra é nobre – insistiu. – Deveríamos enviar
a frota e obter uma rápida vitória.
A rainha fitou-a com um ar franco e um laivo de desdém. - O meu marido, o rei, diz que, se alguma vez existiu na guerra algo parecido com uma vitória
rápida, ele nunca o viu. Contudo, porque deseja tanto uma guerra, Lady Castlemaine? Terá
algum amante de que queira livrar-se?