- Não sabia que Londres tinha lugares tão pacíficos quanto este – maravilhou-se Walter.
- Nem tudo são lupanares e antros de jogo – provocou Mall.
Walter corou, como se levasse o comentário a peito.
Frances olhou em redor para ver se alguém passava por perto e, confiando que estavam a sós,
tirou a meia e meteu um dedo do pé na água fria. - Não lhe contei que Mister Storey, que cuida dos pássaros do rei, me disse que há dois
crocodilos à solta neste parque? – perguntou Mall, rindo-se. – Foram uma oferenda da Guiné.
Tal como os pelicanos do czar da Moscóvia. - Tenho a certeza de que não há nem pelicanos nem crocodilos neste canal.
Frances secou o pé e depois encaminharam-se para os jardins das amoreiras, que eram pouco
mais do que um pomar, cheio de arbustos e esconderijos. - Sabe o que escreveu o perverso Lorde Rochester sobre este lugar?
A menção de Lorde Rochester fez com que Walter corasse e desviasse o olhar. - Se escreveu alguma coisa, decerto será brejeira, ainda que conceda que também possa ser
engenhosa – replicou Frances.
Mall começou a recitar:
Todas as noites agora às escuras
De sodomias, estupros e incestos não há zonas seguras.^18
- Bem, ele lá há de saber – comentou Frances com rispidez –, já que é um dos grandes
responsáveis pela situação. Gostaria mesmo de saber porque tolera o rei tal comportamento.
- Por ele ser tão divertido. Por mais sábio e honesto que o rei possa ser quando se esforça,
aquilo de que mais gosta é que o entretenham. Até se riu quando o meu irmão lhe chamou «Pai
dos seus súbditos», acrescentando: «Bem, de bastantes». O Rochester afiança que toda a
Londres, ricos e pobres (de trapeiros a damas elegantes, de lacaios a fidalgos), tem encontros
secretos aqui. - E todos se deparam com Lorde Rochester, escondido nos arbustos.
Walter tinha ficado muito calado e com ar de um rapazinho apanhado a roubar maçãs do
pomar de um vizinho.
Mall encontrou um banco sob uma enorme amoreira, no qual todos se sentaram. - Não vejo trapeiros nem damas elegantes por aqui.
Ainda não se tinham passado cinco minutos quando Mall se levantou de um pulo, a praguejar. - Pelo sangue de Cristo! Um pássaro sujou-me o vestido preferido!
Enquanto ela esfregava a nódoa vermelha que começava a espalhar-se pelo colo, Frances
coibiu-se de lhe contar que a sua ama costumava dizer que a amora era, de todos os frutos, o
mais difícil de limpar. - Mall, quem é aquela jovem ali sentada que não para de olhar para nós?
- Deve ser uma das herdeiras ou camareiras com quem Lorde Rochester se dá – respondeu
Mall, sem desviar os olhos da mancha, que continuava a esfregar.