Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

espantava por conseguir manter uma atividade tão desgastante –, que tem cinquenta lareiras.



  • Sim – confirmou o outro, novo e magro, um rosto que fazia lembrar o de uma doninha. – E
    os criados deles não podem aquecer os traseiros em nenhuma delas! Bom dia, jovem senhor.
    Frances ficou parada, perguntando-se o que teria imaginado conseguir ao ir até ali. Deu a
    volta ao lado sul da casa e, ao fazê-lo, passou por uma taberna que tinha uma placa com uma
    pega e um touro. Ao menos ali poderia ouvir alguns boatos sobre a grande dama que vivia ao
    lado.
    O taberneiro mirou-a com entusiasmo, considerando que tinha ali um bom cliente numa tarde
    de pouco movimento.

  • Então, jovem galã, que irá desejar neste belo dia? Um copo de uma boa cerveja inglesa ou,
    a avaliar pelo seu aspeto, talvez um elegante vinho de Bordéus? Acabo de abrir a pipa e um
    quartilho só custa doze pence. É o que Sua Majestade bebe!
    Apesar dos nervos que sentia, Frances tomou boa nota do que ouvira a fim de levar aquele
    comentário ao conhecimento do rei, já que ele decerto se riria, mas depois compreendeu que
    nunca poderia fazê-lo. Até ele consideraria aquela aventura demasiado ousada.
    Optou pela cerveja e instalou-se num canto sossegado, de frente para a porta, de onde poderia
    ver quem entrava e observar os clientes da taberna.
    Na mesa ao lado, encontrava-se um cavalheiro judeu de longos cabelos negros e uma barba
    encaracolada, que ela deduziu ser um velho vendedor de roupa, dado o facto curioso de ele ter
    um par de botas pendurado ao pescoço e não menos do que três chapéus empilhados na cabeça,
    o que fazia lembrar a torre de uma igreja projetada por Christopher Wren.
    Depois dele, duas velhas, uma das quais com um ganso vivo num cesto que mantinha ao colo,
    partilhavam um copo de cerveja preta e debatiam, com a fluência feroz dos membros do
    Conselho Real, quais seriam os guardas mais barulhentos, se os gansos se as galinhas-d'angola.
    Do outro lado, desenrolava-se uma discussão animada que pretendia apurar se a nova lei que
    proibia que se espancasse a mulher à noite era para prevenir violência doméstica ou porque
    uma atividade tão barulhenta não deixava os vizinhos dormir.

  • Deus deu a todos os Ingleses o direito de baterem nas suas mulheres – insistia um tipo de
    mau aspeto com um casaco seboso. – O Velho Noll sabia isso. Até acho que é capaz de ser um
    dos Dez Mandamentos.

  • O quê? – contestou o companheiro de mesa. – Baterás com o Pau da Vassoura na Tua
    Legítima Esposa se Ela te Provocar? Não me parece, Bill.
    Frances começava a desconfiar de que também não descobriria muito ali, quando reparou
    num homem com ar preocupado junto à barra, sempre a olhar de relance para a porta, como se
    esperasse a chegada de alguém. Estava menos mal vestido do que os outros fregueses, com um
    fato negro rendado. No regaço, segurava com cuidado um pequeno objeto embrulhado em
    tecido, como se fosse algo tão precioso como um varão recém-nascido.
    Passados outros cinco minutos de olhares nervosos, começou a levantar-se.

  • Tenha um bom dia, senhor boticário – resmoneou o taberneiro. – Tenho de ir vê-lo em breve
    para me dar mais daquele vitríolo branco para o meu problemazito.

Free download pdf