barqueiros, os alfaiates e os fabricantes de velas, que diziam que as coisas não haviam mudado
tanto quanto esperavam sob o governo do novo rei. E as vozes distantes de uma guerra com os
Holandeses iam crescendo, tanto que até as damas da corte começaram a ouvi-las.
Para agitar ainda mais o povo, alguns presságios estranhos tinham surgido na cidade de
Londres. Enquanto o frio invernal se instalava e o Natal ia ficando mais próximo, foi vista no
céu uma estrela bizarra e cintilante, a que se dava o nome de cometa, arrastando uma cauda de
luz e provocando tanto pasmo como medo.
- Recordam a estrela que se elevou ao meio-dia, quase a rivalizar com o sol, no dia em que o
rei nasceu? – perguntou Lady Suffolk, numa tentativa de acalmar os nervos em franja das damas
de companhia e de persuadi-las de que nada de estranho havia naquele fenómeno celeste. –
Todos julgámos que decerto anunciava um rei que traria prosperidade, paz e estabilidade, não
foi?
Contudo, aquela nova estrela manteve-se no céu ao longo de vários dias – era maior do que
qualquer outra, de uma tonalidade avermelhada, com uma cauda a segui-la, que as pessoas
comparavam com uma vassoura de giesta. - Até os reis se têm sentado no telhado, maravilhados – admitiu Jane La Garde.
- Mas o povo não está maravilhado. – Mall abanou a cabeça, uma ruga de preocupação a
vincar-lhe o sobrolho. – O Tom diz que se fala da estrela com receio, que se diz que os cometas
pressagiam o Apocalipse. – Todas as aias da rainha estavam a escutá-la. – E há um homem, um
tal Solomon Eagle, pastor quaker, que começou a correr de noite pelas ruas, nu como Cristo na
cruz e a usar apenas um pano que lhe cobre as partes, com um prato de carvões em brasa na
cabeça, avisando todos de que um terrível flagelo em breve se abaterá para nos punir pelos
nossos pecados... e que será pior aqui na corte, devido à nossa vida licenciosa!
Até Cary Frazier, a mais corajosa das aias, estava pálida perante aquela visão de pesadelo. - O Tom diz que nas tabernas e nas tascas as pessoas só falam disso. E que há pior. – As
damas rodeavam-na, silenciosas como um túmulo. – Ainda que não seja a época disso, diz-se
que dois franceses morreram de peste em Drury Lane e que agora ninguém se atreve a ir lá. - Mas esta altura do ano não é propensa à peste – objetou Jane. – A peste é uma maleita do
verão. - Sim – secundou Lady Suffolk –, dizem que um Natal verde engorda a igreja, mas teremos
um Natal branco, e não tardará a ficar frio como uma sepultura.
Todas se calaram, pensando no que poderia aquilo significar.
Contudo, a estranha incerteza daqueles tempos, em que as pessoas começaram a encarar os
vizinhos com desconfiança e a benzer-se, a rezar a Deus por clemência ainda que não o fizessem
há muitos anos, teve pelo menos um resultado feliz.
Quando Mall anunciou que ela e Tom iam casar, o facto não provocou o escândalo que ela
esperava; na verdade, mal houve agitação no lago gelado da sociedade da corte. - Será tão discreto quanto possível – disse Mall a Frances, com dificuldade em conter a
alegria. – Casaremos na igreja de St. James em Duke’s Place. E a Frances e a sua pequena
protegida serão damas de honor.