Convida-nos a ir assistir.
Frances sabia que, a bem da sua paz de espírito, seria melhor não se arriscar a ver o duque,
mesmo acompanhado pela esposa, no entanto, ali estavam, com a sombra da morte a rodeá-los e
os tambores da guerra a começar a rufar. O que lhe garantia que houvesse um futuro seguro?
Iria e arriscaria.
O estúdio do mestre Lely, na Piazza de Convent Garden, era sempre um lugar muito ruidoso e
azafamado, pois ele tinha bastantes encomendas em mãos, mesmo naqueles tempos terríveis.
Para além do mestre Lely e dos seus assistentes, o espaço estaria apinhado com modelos e as
suas comitivas, que até cães a latir incluíam, e, não raras vezes, músicos que proporcionavam
entretenimento. Se a modelo fosse uma mulher de reputação menos do que imaculada, o seu
protetor, que sem dúvida seria quem pagava o retrato, também estaria presente. Como o mestre
Lely ocasionalmente perdia as estribeiras, o estúdio era mais parecido com um hospício do que
com um lugar onde a musa o inspirasse.
Quando a duquesa descobriu que o mestre Lely não a pintaria por completo, rezingou com
tanta veemência que ele quase se recusou a pintar-lhe sequer o rosto.
Enquanto a indecorosa querela prosseguia, Frances viu que o duque se colocara a seu lado.
- Queria agradecer-lhe pelos cuidados que tem tido com a Mary – disse-lhe em voz baixa. –
Está tão diferente que nem acreditaria tratar-se da mesma pessoa. - O prazer tem sido meu. Ela é de uma inteligência rapidíssima e tem uma compreensão rara
dos que a rodeiam. - E, contudo, ninguém tinha reparado nesses predicados antes de si.
Ela desviou o olhar, embora sentisse o espírito elevar-se com o calor do apreço dele. - E como está nestes tempos conturbados, Vossa Senhoria? – perguntou, obrigando-se a
desviar o assunto de si e das suas boas qualidades. - Tenho deveres navais em Dorset, por ser lord-lieutenant^22 lá, e terei mais, se esta guerra
com os Holandeses se desencadear. - E crê que isso acontecerá?
- Receio que sim. Fora de Londres, estão todos furiosos contra os Holandeses. Chamam-lhes
anafados e comilões de queijo e veem-nos como inimigos vis. - E são?
Antes que ele tivesse oportunidade de lhe responder, um dos assistentes do mestre Lely
interrompeu-os e, com grande cerimónia, entregou ao duque um pequeno volume embrulhado em
pano, com uma guita lassa.
Muito calmamente, o duque estendeu a mão para aceitar o embrulho, como se não tivesse
mais importância do que a conta do seu alfaiate, e começou a guardá-lo no bolso. Houve algo
nos seus gestos descontraídos que acicatou a curiosidade de Frances.
Com um ar provocador, ela lançou a mão ao embrulho, que caiu ao chão. Ao cair, o pano
abriu-se e revelou o conteúdo.
Tratava-se de uma pintura em miniatura, uma cópia minúscula de uma das obras do mestre
Lely, do género que amantes e noivos enviavam aos amados, suficientemente pequenos para