tão assustadores como o próprio contágio.
Numa janela de um andar alto, Frances viu uma criança que implorava que a deixassem sair
da casa da morte onde a tinham enclausurado.
Na esquina de Cheapside, parou para ler vários panfletos que ofereciam «a única verdadeira
água que cura a peste», «infalíveis pílulas preventivas» e uma frase que lhe provocou um
sorriso amargurado: «o antídoto real contra todos os tipos de infeção». Que reação enfurecida
teria o rei, com a sua mente racional e científica, caso ficasse a saber daquilo.
Ao virar para a rua que a levaria à botica da viúva, viu uma grande multidão reunida, com as
pessoas a olharem como uma só para o céu.
Havia uma jovem no centro.
- Olhem – dizia, apontando para cima. – Não veem? É um anjo vingador, com uma espada
feroz na mão, que veio visitar a peste que se abate sobre nós devido à nossa perversão!
Todos assentiam com a cabeça e murmuravam palavras de concordância. Um homem atreveu-
se a contestar a visão, mas os outros viraram-se contra ele, com uma chuva de golpes.
Foi então que o olhar da jovem se concentrou em Frances. - Espere aí! – acusou ela. – Não é um homem! – Arrancou-lhe o chapéu e o véu. – Não é a
amante do rei? - É, sim! – alertou um rapaz magricela e de pernas arqueadas, aproximando muito o rosto do
dela. – Trabalhei na cozinha do palácio e apostava um anjo em como a vi lá. - Rameira sem vergonha! – acusou outro.
- É por sua causa e do resto das concubinas do rei que o contágio se tem dado! – gritou uma
velha.
Frances viu que a cercavam quando a Viúva Wyatt, tendo ouvido o tumulto, saiu para a rua e
arrastou-a para dentro da loja.
A botica aromatizada pareceu-lhe um santuário e Frances apercebeu-se de que tremia. - São tempos medonhos. – A idosa abanava a cabeça. – Até os que estão livres da
enfermidade se comportam como se tivessem perdido o juízo. Ontem à noite, bateram-me à
porta, a exigir curas de graça, como seu tivesse alguma. Os impostores e charlatães fazem
afirmações tão absurdas que todos estão zangados comigo, pois não as tenho. Ainda assim –
continuou, com uma piscadela de olho –, a carroça da morte ainda não me veio buscar, pelo que
devo estar grata. - Vi um doutor da peste na rua. Eles fazem alguma coisa para ajudar os aflitos?
- Ah! – A viúva cuspiu no chão. – Recorreria tão depressa a um doutor da peste como a um
algoz! Ainda que este último me saísse mais em conta. Na minha opinião, eles nada fazem para
além de exaltarem os ânimos. Assim que se chama o doutor da peste, pode ter a certeza de que a
vítima nunca mais acorda até a última trombeta soar.
Frances deixou cair os ombros, sentindo-se subitamente abatida e desesperada. Teria
arriscado tudo aquilo por Mary em vão? E o que aconteceria a Walter, sozinho e sem amigos
naquele lugar infestado pela peste? - Então nada se pode fazer? Vim por causa de uma jovem, para tentar ao menos levar-lhe