Mall tratara da viagem de forma a chegarem discretamente, via Lambeth, de onde seguiriam
pelo rio, passando pelo palácio de tijolos vermelhos onde viviam os arcebispos de Canterbury,
avançando em direção à abadia de Westminster e à área de caça que rodeava o palácio
Whitehall, até chegarem às escadas de Somerset.
A primeira coisa que a impressionou em Londres foi o barulho. Paris, embora fosse uma
metrópole, não era tão grande quanto a capital inglesa. Por todo o lado havia sinos a repicar, de
dia e de noite. Vendedores ambulantes, com tabuleiros de vegetais, flores ou fósforos,
apregoavam os seus produtos; enormes carroças puxadas por quatro cavalos percorriam as ruas
empedradas, por pouco não atropelando crianças e, por vezes, ficando presas em estradas
estreitas. Abundavam placas, colocadas a cerca de quinze metros de altura, para que os cavalos
e as carruagens pudessem passar por baixo, anunciando todo o género de ofícios. Porém, o que
mais a surpreendeu foi o negrume do ar e a camada de fuligem que cobria tudo e todos, lhe feria
a garganta e lhe deixava os olhos a lacrimejar.
- Vai habituar-se – disse-lhe Mall, encolhendo os ombros e inclinando-se para tapar a boca
da pequena Mary com o seu véu. – É o carvão que todos queimam. Só houve uma vez em que a
fuligem desapareceu, quando o tempo gélido não deixou passar os navios carvoeiros: de
repente, a cidade ficou límpida como a madrugada refletida numa lagoa.
Passaram a última curva do rio e avançaram por entre dezenas de botes. Ao ver um grande
edifício à sua esquerda, Frances perguntou a Mall o que era. - É o palácio de Westminster, onde Noll Cromwell se autoproclamou Lorde Protetor do
Reino e se sentou na Cadeira da Coroação, coberto de púrpura e arminho. Serviu-lhe de muito. - Apontou para uma mancha indistinta no telhado. – Aquilo é a cabeça dele. O rei ordenou que o
desenterrassem da abadia, com os outros traidores, o Ireton e o Bradshaw, e enforcou-os na
Árvore de Tyburn. Depois cortou-lhes as cabeças e espetou-as ali, para todos os londrinos
poderem admirá-las.
Frances estremeceu. - Não julgava que Sua Majestade fosse tão bárbaro.
- Bárbaro! – Mall virou-se para ela, muito zangada. – O rei é muito mais complacente do que
deveria ser! – Frances nunca a ouvira falar com tanta ira. – Só puniu uma mão-cheia dos
traidores que condenaram o pai dele à morte. Eu teria enforcado todos! Mas o leite da bondade
humana corre livremente pelo nosso rei. Encolheu os ombros e disse que estava farto de
enforcamentos.
Continuavam a avançar, agora em silêncio, e passaram pelo palácio de Whitehall,
aproximando-se do destino, Somerset House. - Ali está – apontou Mall, com a respiração visível no ar gelado da tarde.
Diante delas, encontrava-se um grande edifício quadrado de tijolos amarelos que ao centro
tinha uma torre com um relógio e duas alas graciosas, e à frente relvados ornamentais e um
grande jardim com árvores de um dos lados. - É realmente um belo edifício – disse Frances, admirada.
- Não era assim, quando a escumalha dos soldados do Cromwell se serviram dele como