quartel! – ripostou Mall, quase a cuspir as palavras. – Venderam todos os quadros, tapetes,
pratos e tapeçarias a que deitaram as mãos nojentas. A rainha demorou dois anos a torná-lo
habitável de novo, para poder regressar. Será nosso dever fazer os últimos preparativos
necessários.
- Fá-lo-ei de bom grado.
- E não se deixe afetar. Vê aquelas janelas? – perguntou, a apontar para a galeria longa que
dava para o rio. – Foi ali que enforcaram a efígie do Cromwell, e em bom tempo o fizeram, pois
era aqui que ele se atrevia a instalar-se, como se fosse um monarca grandioso como o santo que
assassinou.
Frances não era capaz de reprimir o horror que tanta violência lhe causava. - Prima, não a sabia tão sanguinária.
- Não fale do que não compreende! – foi a resposta irritada de Mall. – O meu marido perdeu
tudo por causa do Cromwell. Os seus dois irmãos mais novos, a fina flor da corte de Carlos,
combateram com as suas vestes de seda e foram abatidos antes de terem sequer a oportunidade
de viver. - Lamento. Falei quando não devia. – Também a sua família sofrera muito, mas ela sentia-se
mais em harmonia com o rei que se cansara de enforcar os inimigos. A vingança não devolvia a
vida aos mortos. Não obstante, tinha de respeitar a perda de Mall. Aquele mundo, onde as
ofensas ainda eram tão recentes, era novidade para ela, depois de tanto tempo passado do outro
lado do Canal. – Mall, querida prima, tenho muito que aprender. - Sim. – A voz de Mall soava fria e endurecida pela dor. – Tem. – O barco deslizava em
direção às escadas que ligavam o rio à casa grande. – Desculpe, prima. Vai aperceber-se de
que, apesar da restauração do rei, as feridas ainda sangram. Mas eu ajudá-la-ei a compreender. - Pegou na mão da filha e agarrou-se ao barqueiro para sair. – Venha, não será triste. Não há
cidade como Londres para a diversão e o riso. O que nos falta em instrução, por comparação
com Paris, compensamos com alegria!
Mall não faltava à verdade. Depois de tantos anos de repressão, respirava um ar de aventura
vertiginosa e excitante, como se todos tivessem de provar que a vida era possante, plena de
prazer e livre de qualquer restrição.
Subiram a grande escadaria que começava no rio, passaram por jardins e por um imenso
terraço de onde se via o Tamisa e um grupo de gente elegantemente vestida as observava com
curiosidade. À medida que avançavam, todas as damas cumprimentavam Mall com um aceno de
cabeça, enquanto o homens faziam vénias. Frances seguia-a, maravilhada por a amiga parecer
conhecê-los a todos.
Depois de entrarem em Somerset House, um gentil-homem da câmara foi chamado para que
levasse os pertences delas para os seus aposentos. Habituada a partilhar o quarto com a irmã,
Frances esperava um dormitório ou um pequeno nicho enfiado nalgum canto do grande palácio.
Em vez disso, foi-lhe atribuído um enorme quarto quadrado na torre leste, com uma vista
belíssima dos relvados e das grandes estátuas de mármore de Tamisa e Ísis.
Enquanto desfazia as malas, pendurava os vestidos em cabides e guardava os saiotes e