Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

camiseiros na cómoda, perguntava-se onde havia de deixar o papagaio. Num canto da parede do
fundo, havia um anteparo destinado a abrigar um castiçal. Frances pendurou ali a gaiola do
pássaro. Este palrou e tufou as penas, zangado, saltando de uma pata para a outra, num protesto
cómico.



  • Onde, então? – quis Frances saber.
    No outro canto do quarto havia um toucador com uma tapeçaria turca, junto à grande janela.

  • Então queres ver o rio, é isso? Mas é um lugar demasiado grandioso para uma criatura
    como tu, pássaro. E se deixas cair sementes naqueles pontos delicados ou sujas as suas belas
    cores?
    Não obstante, pousou a gaiola no toucador.

  • Deus abençoe Charles Stuart! – exclamou o pássaro, em sinal de aprovação.

  • Pois. – Frances encolheu os ombros. – É certo que Deus o abençoou. Casou com a herdeira
    como devia e, tanto quanto sabemos, teve o filho necessário para contentar o tio. E agora é
    duque!
    Não tinha tempo a desperdiçar a pensar na situação doméstica de Charles Stuart, pois ouviu
    Mall a chamá-la, dizendo-lhe que iam explorar a cidade enquanto o sol ainda brilhava.

  • Não veremos muito... é só uma aproximação aos encantos que hão de vir.
    Do outro lado da Strand, nas traseiras de Somerset House, ficava a estação de carruagens,
    junto ao maior mastro festivo de Londres.

  • Imagine – maravilhava-se Mall –, foram precisos doze marinheiros para voltarem a erguê-
    lo depois de o Cromwell o ter mandado abater. O velho Noll baniu arraiais, além de
    representações teatrais, banquetes e até a celebração do Natal. Pense nos pobres habitantes de
    Londres. Todos aqueles anos sem qualquer alegria festiva. Não admira que tenham ficado
    contentes quando ele morreu!


Frances, Mall e a pequena Mary entraram na carruagem para darem uma volta pela cidade.
Em todas as ruas viam placas pintadas que oscilavam bem alto, anunciando alfaiates, sapateiros,
negociantes de linhos, sedas e outros tecidos, fabricantes de feltros, chapeleiros, camiseiros e
vendedores de botões. Frances ficou a saber que, se quisesse pentes de marfim, tinha de
procurar uma placa que exibisse um elefante pintado; Adão e Eva a oferecerem maçãs
significavam uma frutaria; as boticas anunciavam-se com unicórnios ou dragões; uma placa com
uma fileira de caixões lembrava aos londrinos que, nalgum dia, as compras teriam de chegar ao
fim.
Por ora, contudo, ela via que os cidadãos se entregavam ao frenesim de adquirir e despender.
Privados de quaisquer luxos durante os anos de Cromwell, viviam numa ânsia de esbanjamento.
E, ao contrário do que acontecia em Paris, onde os ricos e os pobres estavam algo separados,
ali viam-se unidos pelas transações que faziam.
Ao fundo de cada rua estreita, todas tão apinhadas que mais pareciam vielas, um transeunte
incauto podia, com idêntica facilidade, entrar numa casa decadente a abarrotar de vendedores
ambulantes de hortaliças ou na mansão escondida de algum mercador opulento.

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