Frances tinha a cabeça à roda com tantas imagens e sons novos de Londres. O que lhe faltava
em elegância, descobria ela, era mais do que compensado pela energia.
- Amanhã visitaremos Whitehall – anunciou Mall –, e conheceremos as outras damas que
serão aias da rainha.
O palácio de Whitehall! Nessa noite, Frances sentia-se tão entusiasmada que mal conseguia
dormir na cama enorme que tinha só para si. Estava tão habituada a partilhar o leito com Sophia
que, ao início, lhe parecera estranho, mas agora apreciava o linho macio, os reposteiros de
brocado apanhados com fitas douradas e a colcha de veludo que cobria a cama. Não fora há
muito que se tivesse visto tudo aquilo pensaria apenas em como aproveitar os tecidos para fazer
um vestido. Agora não lhe faltavam vestidos e Mall, que só tinha a pequena Mary para vestir,
parecia retirar grande prazer em aumentar o seu guarda-roupa.
No dia seguinte, dado que o tempo estava agradável e Somerset House ficava a um pulinho de
Whitehall, Frances tinha pensado que seria simples caminhar até lá. - A pé! – riu-se Mall da sugestão inocente. – Minha querida menina, ficaria com o vestido
enlameado assim que desse dois passos. A imundície dos canais a correr pelo meio da rua
sufocá-la-ia; seria atirada para o chão pelos galãs que se encostam às paredes com medo de
verem as suas roupas rendadas atingidas por dejetos atirados pelas janelas. E decerto lhe
roubariam a bolsa no meio de tanta confusão! Em Londres, viajamos sobre rodas ou através da
água.
Apesar de ficar impressionada com o conhecimento superior de Mall, enquanto chamavam um
bote para duas damas trajadas de cetim, com saiotes e mantos, de leque na mão, ocorreu-lhe que
entrar e sair de uma embarcação encharcada que se agitava de forma inquietante com a brisa do
final da primavera, e viajar pela água não era um método que oferecesse grande vantagem em
relação a caminhar pelas ruas, por mais perigosa que fosse a estrada.
Mall completara o seu próprio traje com um véu de seda preta, que lhe ocultava metade do
rosto, dando-lhe uma aparência bastante assustadora, como um arauto de terrível destino. Era
apenas, conforme ela explicou, para se proteger dos nefastos raios de sol, e aconselhou Frances
a fazer o mesmo. Esta riu-se e respondeu que preferia arriscar.
Fizeram uma viagem rápida e chegaram a Whitehall em apenas quinze minutos. - Bem, minhas senhoras – perguntou o barqueiro enquanto se aproximavam da margem
lamacenta –, desejam subir pelas escadas de Whitehall ou pelas escadas do acesso privado? - O que lhe parece, bom homem? – retorquiu Mall.
As escadas de Whitehall eram públicas e usadas por todo o género de pessoas. As do acesso
privado, como o nome indicava, conduziam apenas ao palácio e só os nobres podiam ir por aí.
O barqueiro observou-as atentamente e apressou-se a remar em direção às segundas.
Ao chegarem, saíram cuidadosamente da embarcação, passando por um poste ao qual estava
presa cerca de uma dúzia de barcos pequenos, diante de uma barreira instável de madeira, que
se curvava sobre a lama como um dedo artrítico. O rio tinha pouco caudal: quase até ao palácio
de Lambeth, metade consistia apenas em lama sólida. As escadas conduziam a um pequeno
pontão do qual se avistava o palácio de Whitehall.