Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1
A velha mulher levantou-se a custo.


  • Ama, deixe-se estar sentada – insistiu Charles. – Eu vou à cozinha. A distração far-me-á
    bem.
    O papagaio, que tinha estado a observar calmamente a cena do seu poleiro, despertou
    repentinamente, ansioso por ser incluído na transmissão geral de sabedoria.

  • Deem corda suficiente a um homem e ele enforcar-se-á – comentou num tom prudente.
    O duque riu-se bem alto, satisfeito com o aliviar da tensão.

  • E quanto a ti, pássaro, hei de arranjar um pedaço de corda para te enforcar.
    O papagaio virou a cabeça de lado e sopesou o perigo daquela ameaça e os bons tratos que
    costumavam dar-lhe.

  • Tolo Charlie Stuart – proferiu pomposamente, enfiando a cabeça debaixo da asa para
    dormir.


A rainha cumpria o que prometia. Foi até ao novo laboratório do rei, que ficou tão
surpreendido com aquela intrusão invulgar ao seu espaço privado que até se esqueceu de
protestar.
Ela já tinha passado pelo quarto e pelo gabinete dele, maravilhando-se com os muitos mapas
que ele possuía – sobretudo com o de Portugal –, detendo-se para inspecionar o modelo de um
navio, tão preciso em todos os pormenores que lhe havia ensinado mais acerca da sua Marinha
do que qualquer outro rei alguma vez soubera, e chegou ao laboratório de Sua Majestade no
exato momento em que Mister Boyle demonstrava ao rei como funcionava a sua bomba de ar.
Por todo o lado havia sinais da paixão que o rei nutria por todas as questões científicas. Uma
experiência destinada a desafiar as teorias dos alquimistas encontrava-se disposta em bancadas
de madeira; uma rã parcialmente dissecada estava presa a uma tábua, ao lado de uma coisa tão
horrível que a rainha quase desmaiou quando a viu: um feto preservado, enviado ao rei pelo Dr.
Elias Ashmole.



  • Vossa Majestade, ainda não havia tido o prazer de lhe dar as boas-vindas neste espaço –
    cumprimentou-a o rei com uma ligeira sobranceria, que ela logo desarmou com a resposta que
    lhe deu:

  • Pois, e agora desejaria que eu estivesse em qualquer outro sítio que não aqui!
    O rei sorriu.

  • Naturalmente, é bem-vinda.
    Empurrou Fymm para debaixo de uma das bancadas com o pé, pois a cadela ladrava de forma
    irritante.

  • Até a sua cadela protesta – comentou Catarina. – Mas preciso de lhe falar em privado.
    Receio bem que não possa esperar.

  • Deveras? Nesse caso, talvez possa deixar-nos, Mister Boyle?
    Os olhos escuros dele, regra geral tão afáveis e corteses, pareciam tão desagradáveis como o
    oceano gelado, e as rugas que lhe contornavam a boca – uma característica sempre notável –
    eram tão pronunciadas como sulcos num campo invernal.

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