Não existia nela nem uma pinga da bondade que ele encontrara em Frances Stuart.
Porém, Frances traíra o seu amor e a sua confiança, e ele tinha de a esquecer.
No entanto, antes disso, alguém haveria de pagar.
Mall esperava ser chamada e, quando isso aconteceu, quase se sentiu aliviada. Tom não a
deixara em paz, dizendo-lhe que ela passara toda a noite a murmurar que traíra o rei, seu amigo
de infância.
Quase a persuadira a ser ela mesma a pedir uma audiência a Sua Majestade, quando o
mensageiro chegou, requerendo a sua presença.
O rei encontrava-se na estufa, admirando as camélias brancas na companhia do jardineiro.
- Suponho que saiba quem me recorda a pureza perfeita destas flores.
- Mas a Frances não é nem perfeita nem perfeitamente pura! – Mall tinha pensado apresentar
um pedido de desculpas calmo, mas não conseguiu conter-se. – É simplesmente humana. - Na noite da peça, sabia que ela tencionava fugir com o duque?
- Sim.
- Então, dado que afirma adorar-me, porque não impediu que isso acontecesse?
- Fui da opinião de que a Frances tinha o direito a ser feliz e que nem um rei poderia anulá-
lo. - O direito! – Carlos esmagou o botão perfeito que tinha na mão e atirou as pétalas para o
chão. – Que direito é que qualquer um de nós tem à felicidade? Eu tenho de governar um reino e
de estar ligado a uma mulher que não escolhi e cujo leito partilho pelo dever de produzir um
herdeiro. Não tenho também o direito a ser feliz? - Talvez. Mas a Frances optou por jurar o seu amor perante Deus e renunciar a todos os
outros, como ordena a condição do matrimónio. Compete-nos a todos, até aos reis, respeitá-lo. - Não costumava ser tão beata em relação ao casamento, Mall. Lembro-me do amor que
dedicava ao meu primo Rupert, apesar de já ter marido. - Era jovem e tola. Demorei uma vida inteira a encontrar um homem que me ensinou o
verdadeiro significado do amor. Depressa encontrará outra que o seduza tanto como a Frances. - Não! – A angústia da sua voz penetrou o ar quente da tarde. – Eu amava-a, Mall.
Sabendo o risco que corria, Mall decidiu continuar: - Contudo, ela não o amava e forçá-la a deitar-se consigo teria sido desonroso.
- É cruel, Mall.
- Sou honesta. Deixe-a e reconheça que fez uma coisa boa.
- A corte não será a mesma sem ela.
- Não.
- Nunca a esquecerei.
- Nem deveria.
Porém, mesmo não voltando a encontrar o amor, meditava Mall, em breve encontraria
consolo. Dizia-se que Nell Gwynn, a nova atriz, era tão bonita quanto perspicaz. Talvez devesse
convidar Mistress Gwyn para uma ceia em que o rei estivesse presente.