Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1

Catarina mantinha-se inflexível.
As aias andavam em pés de lã, sussurrando acerca do que aconteceria se a rainha se
recusasse a ceder. Iria realmente regressar a casa, conforme insistia que faria? E, se o fizesse,
que destino as aguardaria?
As semanas iam-se arrastando, com o ar sombrio de Hampton Court a contrastar com o tempo
maravilhoso no exterior. Rosas desabrochavam. Cotovias sobrevoavam os jardins. Cada vez
mais cortesãos abandonavam Catarina, vendo que o seu poder era insignificante. A pequena
rainha espreitava pela janela, vendo algumas das suas aias a brincar à cabra-cega entre as filas
de limeiras do parque. Frances não se encontrava entre elas. Na verdade, censurava as outras
por abandonarem a sua senhora.
Concluía que o rei só poderia ter um coração empedernido para tratar assim a sua rainha.
Contudo, como as ações que ele tomaria no dia seguinte demonstrariam, Carlos não era um
homem fácil de decifrar. Pois também era capaz de grande bondade.
Uma bebé recém-nascida foi encontrada entre os arbustos do jardim privado e, dada a
compleição morena da criança, dedos acusadores apontavam para as aias portuguesas da rainha,
capazes de disfarçar uma gravidez com as grandes anquinhas que usavam.
Contudo, nenhuma delas confessava ser a mãe.



  • Por uma vez, não poderá ser minha filha – comentou jocosamente o rei. – Pois não tive
    contacto algum com a mãe.

  • A menos que Lady Castlemaine a tenha deixado cair sem se dar conta – sussurrou Mall
    entre dentes.

  • Nem ela poderia ter duas em tão pouco tempo. A criança terá de ser mandada embora desde
    já – anunciou a condessa de Suffolk. – E entregue a alguma pobre camponesa que a eduque
    segundo os preceitos do trabalho honesto.
    O rei ficou com um ar angustiado.

  • Quando não há dúvida de que é a bastarda de um dos meus cortesãos... Não, a criança deve
    ter um começo de vida melhor do que esse.
    Levou a mão ao bolso, de onde tirou muitas moedas.

  • Diga-lhes que a eduquem como uma dama e que lhe chamem Lisbona. Poderá ser o
    prenúncio do nosso futuro feliz.
    Embora não houvesse ainda qualquer sinal desse futuro feliz, o rei decidiu que estava na
    altura de levar a sua noiva a conhecer Londres.
    Na verdade, mal falaram. A populaça da capital, desconhecedora da crise que se apoderara
    do casal real, e desejosa de ver a nova rainha pela primeira vez, pejava as embarcações
    disponíveis do rio. Mais de dez mil batéis, grandes e pequenos, encheram o rio até a água
    deixar de ser visível e o Tamisa se assemelhar a uma cidade de madeira feita de barcos.
    Carlos e Catarina, ainda desavindos, chegaram por fim a bordo de uma embarcação antiga,
    sentados à sombra de uma cúpula de ouro, rodeados por pilares coríntios ornamentados com
    grinaldas que se agitavam sob os ventos fortes, e os grandes canhões foram disparados quando
    aterraram junto às escadas de Whitehall, ao som de trombetas, dando-lhes as boas-vindas.

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