Maeve Haran - A Dama do Retrato PT (2013)

(Carla ScalaEjcveS) #1
Frances sorriu ao lembrar-se de algo.


  • A Mall diz que Lady Castlemaine se veste assim, não por ser uma deusa helénica, mas para
    disfarçar a forma que perdeu por tanto dar à luz!
    Todas se riram, sentindo que parte do poder que tinham se restaurava após a partida de
    Barbara.
    Nos dias seguintes, Frances soube um pouco mais dos problemas que o rei considerava serem
    mais difíceis de curar do que frieiras. Henriqueta Maria daria um grande festim em Somerset
    House, onde todas as aias da rainha Catarina seriam necessárias. Eram tantas que nem cabiam
    na barcaça real. Frances, uma das mais novas, optou por viajar de bote com Jane La Garde.
    Ainda mal tinham agarrado nos vestidos, sobraçando-os por recearem ensopar o veludo e o
    tafetá, quando o barqueiro de rosto rubicundo começou a falar com outro remador.

  • Ouviste falar dos murmúrios de ontem à noite na cervejaria, por causa deste abençoado
    imposto do rei? – perguntou.

  • Os barqueiros gostam de partilhar as opiniões que têm – sussurrou Jane a Frances –, quer o
    queiramos, quer não.

  • O período de graça do rei acabou, isso é certo – respondeu o outro. – As gentes de Londres
    podem ter erguido mastros por ele, mas não tardarão a querer mandá-los abaixo. Ele só quer
    saber das amantes, e a elas não pede que paguem o fogal, com mil demónios.

  • Isso é que é verdade, John, isso é que é verdade.

  • E agora que a velha rainha retornou, os papistas hão de entrar pela porta do cavalo, espera
    só. Aquele traidor do Monck, que trouxe o rei de volta, gostava de o ver a morrer à fome numa
    jaula pendurada na catedral de São Paulo.
    E depois, como se tivesse feito comentários apenas acerca do tempo ou das marés, o
    barqueiro virou-se para Frances, muito sorridente.

  • Onde disseram que queriam ir, minhas senhoras? Que tal uma ida ao Mercado? Fazer umas
    compras?

  • Vamos para Somerset House – replicou ela num tom firme. – Acompanhar a rainha.
    Para seu grande espanto, o homem não se mostrou minimamente intimidado. Se isso era uma
    coisa boa, significando que ele sabia que o rei era tolerante e permitia que se dissesse o que se
    pensava, ou má, por poder semear sedição sem recear consequências, ela não sabia.
    Continuando a sorrir, o barqueiro ajudou Frances a sair do bote para as largas escadas de
    pedra na margem do rio.

  • Digam ao rei que lhe peço que pare de taxar os pobres e obrigue as amantes a ganhar a vida
    de forma honesta, para que não o distraiam do trabalho dele, que é restaurar o bom governo.

  • Tenha cuidado, barqueiro – respondeu Frances, corajosa –, não vá a sua língua afiada
    deixá-lo em apuros!

  • Vivemos num país livre, senhora. Ou quererá que regressemos aos tempos do velho Noll,
    quando irmãos se denunciavam uns aos outros?
    Frances encolheu os ombros. Não invejava a tarefa do rei, restaurar o bom governo num país
    onde todos os homens diziam o que pensavam – e em desacordo entre si – acerca da forma

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