curiosidades daquele evento curioso, Frances se deu conta de outra ainda: o rei não se
encontrava presente, o que talvez devesse constituir motivo de alívio, mas tornava a
representação ainda mais estranha, pois parecia não haver audiência.
Pouco depois, Barbara colocou uma aliança de ouro no dedo anelar de Frances e todos
aplaudiram.
- Venha – disse ela, antes de fazer uma grande vénia e de lhe beijar a mão. Como decreta a
tradição, temos de beber o nosso leite com vinho.
O pajem deu um passo em frente, transportando os dois cálices, enquanto todos os presentes
soltavam vivas e batiam com os pés em sinal de apreço. - E agora... toquem melodias doces, músicos... passamos para a porta ao lado, onde nos
deitaremos!
Nos casamentos verdadeiros, aquele ritual não passava de um gesto cerimonial, que só era
seguido para fazer a vontade às famílias. Para além disso, pensava Frances, não poderia
acontecer grande coisa num quarto diante de tanta gente. Contudo, sentia-se desconfortável
enquanto, de cabeça erguida e a tentar descortinar um caminho de fuga caso tal se tornasse
necessário, seguia o «noivo» para o quarto. - Temos de atirar a meia – ordenou Barbara.
O rapazinho negro correu para o quarto e atirou a meia por cima da cabeça, como era
costume nos casamentos.
Um riso mais baixo e suave juntou-se à alegria geral e Frances virou-se, descobrindo que o
rei aparecera de súbito, trajado com todas as insígnias reais. - Minha querida Frances – disse ele, a sorrir, com os olhos desejosos a fitar-lhe os ombros
pálidos –, vim ocupar o lugar de Lady Castlemaine neste entretenimento encantador.
Os pajens acorreram-lhe, começando a desatar os laços do seu gibão de brocado. - Obrigada, Vossa Majestade. – Frances concluiu que aquilo já fora longe demais. – Porém,
penso que está na altura de pôr fim ao entretenimento. - Por que razão, diga?
- Uma razão excelente, Majestade – respondeu ela, mantendo um tom calmo e bem-humorado.
- A de Vossa Majestade já ter uma esposa. E imagino que a rainha Catarina não ficaria grata se
eu tentasse usurpar o lugar dela.
O espanto percorreu a divisão como gelo a quebrar-se num lago invernal, ameaçando arrastar
todos para profundezas gélidas.
Contudo, para surpresa de todos, sobretudo de Barbara Castlemaine, o rei começou a rir-se,
primeiro suavemente, depois em grandes gargalhadas que lhe abanavam o corpo. - Com mil demónios! – acabou por exclamar. – Mistress Stuart diz a verdade. Boa gente, está
na altura de irem para a cama. – Riu-se uma última vez, como se recordasse as palavras dela. –
E é melhor que se não esqueçam!
Frances não perdeu tempo e logo seguiu o conselho. A noite fora extremamente bizarra, mas o
rei aceitara a sua recusa com o humor habitual. Decerto poderia encontrar consolo nisso?